Gus: A gente fez uma oficina de Clown há muitos anos atrás, 2016. Que ninguém tinha transicionado ainda e não sabia o que tava fazendo da vida (risos). Foi o nosso primeiro contato, assim.

Luka: Mas foi contato quase zero.

Gus: Quase zero porque a gente não teve muita relação.

Luka: E eu ainda tava no meu momento muito tímida e aí eu... nossa, nunca. Eu não conversava com ninguém, naquela oficina eu não conversei com ninguém.

Gus: E eu era muito extravagante, né. Nossa, eu ria horrores, falava alto. E aí muitos anos depois...

Luka: Eu segui acompanhando o Gus, ele não seguiu me acompanhando porque não fiz diferença nenhuma, mas né, como eu queria... Eram os meus primeiros passos na arte, então eu gostaria de criar conexões com outras pessoas. Só que eu era a pessoa mais tímida do mundo, então a maneira que eu achei foi seguindo as pessoas nas redes sociais. 

Gus: Tu me seguia desde lá?

*Luka faz sim com a cabeça*

Gus: Tá. Daí a Luka foi parte desse grupo que é a Tribu di Arteiros, que na verdade eles são parceiros do lugar onde eu trabalhava com teatro. Surgiu um trabalho na Feira Literária de Viamão, em setembro de 2019. Antes de ir pro trabalho, a gente fez uma reunião pra gente se conhecer, pra todo mundo que ia participar se ver. E a boneca chegou atrasada porque ela ia ir num casamento.

Luka: Eu achei que era de tarde.

Gus: Achou que o casamento era de tarde, só que na verdade o casamento era de noite. Ela não foi no casamento e veio nessa reunião que a gente fez. E ela veio muuuuuito bonita, pra trampar. Daí a gente se conheceu ali, trocou uma ideia. Ela já tava nesse lugar super conversando, falando com todo mundo. E eu, tipo, eu fiquei muito... me encantei. Eu achei ela super segura, super dona de si. E isso me despertou uma coisinha. Tá, foi só isso, brevemente. A gente conversou aquela noite, trocou uma ideia e tudo mais. Aí a gente foi pra casa lá que a gente foi trabalhar em Viamão. Ficamos uns 3, 4 dias nessa casa, todos juntos. Quando a gente chegou na casa foi uma experiência meio bbb assim, de quando eles entram na casa e ficam meio alucinados querendo conhecer toda a casa e vendo o que tem lá dentro. Entramos nessa energia e fomos conhecer os quartos. Eram 4 quartos, 3 em cima e 1 embaixo. Tinha um quarto maior, mais luxuoso, que era o VIP, o quarto do líder, que automaticamente ia ficar pra pessoa que nos contatou. Fomos pro segundo quarto, que era um quarto com uma cama de casal. Eu não queria ficar carregando todas minhas coisas enquanto conhecia toda a casa, daí larguei minhas coisas naquele quarto e a gente foi conhecer os outros quartos. Eu achei que em algum momento a gente ia parar e ver os quartos, onde cada um ia ficar e tal. E quando eu voltei pro quarto onde eu tinha deixado as coisas, a Luka tinha colocado as coisas dela lá, no mesmo quarto. E eu não dei bola, porque eu realmente achei que em algum momento a gente ia escolher os quartos.

Luka: Maaaas... eu tava pensando... (risos) Indo pra um lugar de hierarquia, tipo, o grupo contratante é formado por 3 pessoas. E o que eu pensei: as gurias vão ficar nesse quarto aqui, que é o melhor, mas eu também queria ficar em um que fosse bem bom. E quando eu passei e vi que o Gustavo tava ali olhando, meio que comigo, e aí largou as coisas... Eu pensei "hmmm, eu acho que vou largar as minhas coisas aqui também, porque parece bem bom o quarto e tal...". E também, né. (risos) Tá, foi com um pouquinho de segundas intenções... Foi, foi com segundas intenções, porque eu tava bem segura de mim naquele momento então eu tava mais confiante até nesse lugar de criar conexão. E a cama era de casal ainda. (risos)

Gus: Ah, é, a cama era de casal! Quando ela largou as coisas dela lá eu pensei "caralho, tá, em algum momento a gente vai escolher as coisas, tipo, meu, não vou dormir com ela ali, nem sei quem é, nunca vi na minha vida" (risos), "não, não vou dormir". Tinha mais pessoas que eu conhecia na casa, eu pensei que "meu, vou dormir com essas pessoas". Passou o dia. Chegamos de noite do trampo e a gente comprou cerveja, bebeu, essas coisas.

Luka: Tomei um banho, fiquei bonita, cheirosa... (risos)

Gus: Aí eu vi que as pessoas não iam escolher os quartos. Elas já tinham feito isso. E daí eu ia ter que dormir com ela. Na cama com ela. Não era nem no mesmo quarto, era na cama com ela. Pensei "caralho, tá"... As pessoas já tinham ido dormir, a gente tava lá conversando, nós e mais dois amigos. E ela subiu pro quarto e foi dormir.

Luka: Eu tava muito exausta e tava querendo muito...

Gus: Sim, ela passou o dia todo me comendo com os olhos. Sabe aquelas olhadas de interesse? Tipo, tá, eu sabia que ela queria ficar comigo, eu sabia.

Luka: Tá, e aí? (risos) E eu pensei: já que não tá... não sei, eu gostaria de um sinal, porque eu trabalho muito com sinais. Então pensei "eu vou subir, porque se ele estiver afim de ficar comigo ele vai logo em seguida".

Gus: O que eu fiz? Fiquei quase 1h lá embaixo esperando ela dormir pra poder ir pro quarto. (risos)

Luka: E eu, que que eu fiz? Eu não dormi. Eu liguei a tv e fiquei mexendo no celular esperando ele subir. (risos).

Gus: Depois que eu já não aguentava mais de sono eu pensei "tá, vou subir, ela já deve ter dormido agora". Subi pro quarto e abri a porta bem devagarinho, porque era pra ela estar dormindo. No que eu abri a porta, a boneca ali mexendo no celular, acordadíssima. Eu pensei "caralho... tá, não tem problema nenhum, vou dormir na minha, vou deitar e tal". Ajeitei minhas coisas, deitei na cama que nem morto no caixão. 

Luka: E eu botei uma roupinha, bem curtinha... (risos) 

Gus: Meu, sério, eu deitei na cama e fiquei, eu não me mexia. Porque eu não queria dar os sinais - que ela tava esperando - de que eu queria ficar com ela. Eu não sei o que eu tava sentindo. Eu não sei descrever o que era o que eu tava sentindo. Era um "não queria" com "queria" ao mesmo tempo. 

Luka: Isso se chama tesão. 

Gus: Eu acho que eu tava inseguro, não sei se eu me sentia pronto, preparado, não sei. Era uma mistura muito louca, de querer e não querer. Eu deitei na cama desse jeito e não me mexi. A gente ficou conversando um tempão, falando sobre várias coisas e tal. E aí ela dormiu. 

Luka: Não, daí tu pediu a coberta. 

Gus: Pedi a coberta? 

Luka: É, ele sentiu frio, disse que ia buscar uma coberta, e eu falei "ah, não precisa buscar uma coberta, porque eu tenho muito calor, às vezes não me tapo com nada. deixa que eu esquento teus pés" e coloquei meus pés nos dele. E tipo, eram só os pés que tavam se encostando. (risos) 

Gus: E eu tava... Meu, eu não conseguia nem respirar direito, sabe. Uma pressão assim no peito. 

Luka: Ai, amor... 

Gus: Não, mas não era ruim. Eu tava muito nervoso, muito, muito nervoso. E daí eu respirava bem pouco. E a gente conversou até que ela pegou no sono.

Luka: Me venceu no cansaço.

Gus: É, eu pensei "vou levar essa mina até ela dormir".

Luka: Mal sabia que tinha mais três dias inteirinhos pela frente.

Gus: Ela dormiu e eu não tava conseguindo dormir, eu tava muito inquieto. Não conseguia. Pensava "não, vou ter insônia, amanhã preciso acordar cedo pra trabalhar". E tava muito nesse lugar de não conseguir dormir. Porque ao mesmo tempo que eu pensava que eu não conseguia dormir eu ficava pensando se eu queria ou não ficar com ela, "será que eu quero ficar com ela, será que eu não quero?". Era essa mistura de sentimentos de querer e não querer, de querer muito porque eu achava ela muito bonita e eu me sentia atraído por ela, mas ao mesmo tempo eu não queria porque existia um... Existia uma insegurança minha, de outros relacionamentos, pelo corpo dela talvez. Eu me sentia muito inseguro. Eu não me sentia capaz de lidar com tudo que ela era e tudo que ela podia me dar. E isso a gente tava falando só de ficar, nem de namorar, nem de nada. Eu tinha alguma coisa dentro de mim de que alguma coisa ia acontecer se eu ficasse com ela. Eu fiquei nesse pensamento "será que eu fico com ela ou não fico?". Até que teve uma hora que eu pensei "meu, se eu não quisesse ficar com ela, eu não tava pensando nisso até agora e eu tinha muito bem pego minhas coisas e trocado de quarto com outra pessoa, teria dormido no sofá da sala". Isso me acalmou, porque de uma certa forma me deu uma resposta: tá meu, vou ficar com ela, foda-se. E eu consegui dormir. No outro dia trabalhamos, fizemos um monte de coisas, brincamos. A gente jogou um jogo - a galera do teatro adora, né. Se reúne e joga jogo. E aí a gente jogou várias coisas, conversou. E de novo, me olhava, me olhava... Meu, eu já não sabia onde me enfiar. Eu tava muito sem jeito, sabe?

Luka: Foi no dia que eu fiz massagem em ti, também?

Gus: Foi.

Luka: Ele chegou cansado em casa, aí eu fiz uma massagem... na mão, por tudo... 

Gus: Ela tava assim toda toda em mim e eu nem fazia ideia! (risos) Eu tava tipo "nossa, muito querida né, fazendo massagem em mim"...

Luka: Muito querida... (risos) Muito querida, com o short cheio de alegria... (risos)

Gus: Daí a gente foi dormir. E de novo a mesma história. 

Luka: Pensei "tá, vai ver que não entendeu da primeira, agora..."

Gus: Só que dessa vez eu fui um pouco mais rápido, porque eu já tinha entendido que a gente ia ficar em algum momento. Eu não ia conseguir escapar disso. (Luka ri) Eu fui pro quarto, ela tava lá acordada, a gente ficou tentando arrumar o celular dela. Eu tive a brilhante ideia de falar pra ela atualizar o sistema, que daí talvez parasse de travar o celular. E aí deu a morte dele quando atualizou o sistema, fudeu o celular. E a gente deitou e tal... ficou naquela coisa, naquela tensão assim no ar, de que a qualquer momento a gente vai se beijar... E - essa parte é a pior de todas - ela perguntou se eu gostava de carinho. Daí eu falei que eu gostava...

Luka: Ai, tinha que partir... eu pensei "vai que ele não entendeu nenhum sinal até agora, vai que tá levando só na boa", e pensei "vou perguntar, porque carinho, né, independente de qualquer coisa... um carinho pode... ou não acessar nada e tudo bem, mas pode ir pra outro lugar"... Muito estrategista. 

Gus: E olha só, meu, de todos os lugares que eu podia falar que eu gostava de carinho eu falei: na barriga. E ela veio com a mãozinha... ficou fazendo carinho na minha barriga e tal... Daí a gente foi, foi foi... deitou pertinho, ficou se falando pertinho... Aí tá, nos pegamos, fizemos várias coisas. Aí tinha os outros dias, né, que a gente ficou... 

Luka: Foi rolando, assim. A gente ficou, seguiu conversando. Ele trabalha em Canela, então ele passou por lá e ficou comigo acho que uns dois dias. E depois em dezembro a gente trabalhou de novo, a gente ficou na mesma casa e aí foi... De novo, foi tudo mais intenso. Porque a gente já seguia uma conversa, algumas pessoas já sabiam que a gente tava ficando, a gente já tinha trocado uma ideia com eles. E enfim. Mas foi um processo de bastante escuta, tudo. Principalmente nessa intimidade sexual, enfim. Foi de escuta, mas também de nada dito. Por isso que talvez pra gente se ouvir o processo tenha sido bem longo. Porque até a gente encontrar a maneira que a gente gostava... Porque é isso, a gente não sabia dizer o que a gente gostava de verdade porque a gente não sabia de todas as possibilidades.

Gus: E tipo. Como é que eu vou falar isso... Eu tive um relacionamento com um cara cis na minha adolescência. E que não foi muito bom porque eu não me entendia e não entendia o que eu tava fazendo naquele relacionamento. Então essa foi uma das primeiras experiências que eu tive. E foi ruim, não a relação com ele, mas porque eu não me entendia, não sabia quem eu era, não sabia o que eu tava fazendo. E o relacionamento também foi uma coisa meio "não sei o que estou fazendo". Depois eu namorei uma menina cis e as minhas relações começaram a partir desse lugar. Eu terminei meu namoro e pensei que eu queria experimentar várias coisas, queria - tipo, meu corpo me dá mil coisas e eu não posso ficar só numa, sabe? Então eu quero experimentar tudo que o meu corpo vai me oferecer. Principalmente em relações sexuais. E aí eu tentei me abrir, só que nesse lugar eu só tinha ficado com mulheres cis, sexualmente, e com homens cis eu fiquei só de beijar, nunca cheguei a transar. Até tentei, mas não rolou. E com a Luka foi diferente, porque eu estava disposto a fazer isso. Mas ao mesmo tempo que eu estava disposto a me relacionar sexualmente com uma mulher trans... 

Luka: É que eu ainda não tinha esse reconhecimento, é importante falar isso.

Gus: É, ela não se reconhecia ainda enquanto uma travesti.

Luka: Era talvez como uma pessoa não binária, não sei se já ou se foi depois, mas era mais ou menos por aí.

Gus: É, eu falava pros meus amigos que eu tava apaixonado por um menino.

*clique aqui para voltar para a entrevista*

-

Esse projeto é feito por mim, Gabz. Sou uma pessoa trans não-binária e busco não só retratar mas também abrir um espaço onde outras pessoas trans possam contar suas histórias, pra dar suporte pra nossa própria comunidade. Depois de muito sofrer com a carência de referências de narrativas trans que me contemplassem percebi que essas pessoas existem e sempre existiram, porém por motivos CIStêmicos as poucas vezes que temos oportunidade de contar quem somos acaba sendo através da lente de pessoas que não sabem como é a nossa vivência. Comecei esse projeto por urgência.
Eu ofereço todo esse conteúdo de forma gratuita, pois não quero privilegiar o acesso só para quem pode pagar. Porém, para que esse projeto continue, eu preciso da sua ajuda. Compartilhe em suas redes sociais! Se você tiver condições financeiras, você pode também fazer uma doação única ou recorrente ou assinar o Catarse pra ter acesso exclusivo ao conteúdo completo antes de ser publicado no site! Apoie projetos feitos por pessoas trans <3

APOIE ESSE TRABALHO
Back to Top