Meu nome é Joana de Fátima, tenho 27 anos, sou atriz, cantora, dançarina, performer, cozinheira, bióloga - não, mentira. No momento só sou artista visual, mas também sou um pouco atriz. Tô no sétimo semestre de artes visuais, tô enrolada com o tcc, bem enrolada real, não sabendo muito o que fazer, tendo crise de ansiedade, desempregada. Sou trans há 3 anos, desde que eu comecei minha transição em 2021. Acho que comecei tarde, mas não vou ficar chorando sobre o leite derramado, bola pra frente, tamo aí, vamos seguir em frente.
Pra mim tem isso de me descobrir trans. Não acho que fui desde o começo. Tem muitas pessoas que pensam assim "minha vida começou agora", mas eu acho que minha vida já tinha começado antes, eu só continuei ela de um jeito diferente, mas minha vida já existia. Eu sei que muitas coisas vieram com tudo, tipo disforia.
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Eu fiz uma cirurgia recentemente e parece que cirurgia se passa uma idéia que fazer cirurgia que é a salvação do mundo, né? Só que não. Eu achava que eu ia fazer cirurgia e todas as disforias iriam acabar e o mundo seria muito melhor e tudo ia ficar bem. Só que não. As disforias não acabaram. Talvez diminuam um pouco, mas não acabaram. E acho que não foi só necessário o que eu fiz. Eu achava que seria necessária só a cirurgia que eu fiz e já ficaria tudo bem, só que agora eu sinto falta de fazer mais cirurgias. Eu fiz a da testa e tirei gordura da barriga e coloquei no peito. Só que a do peito já absorveu a gordura então já diminuiu. A da testa eu não senti muita diferença… eu ia tirar o gogó também só que não tirei porque acho que não ia fazer muita diferença, porque eu mal tenho também.


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Por outro lado eu fico pensando, porra, eu não posso reclamar, tive condição de fazer a porra da cirurgia e tô aqui reclamando. Mas eu também tenho a minha opinião de que, cara, não é mil maravilhas assim, fazer uma cirurgia. Não salvou a minha vida.

Com certeza o Instagram é algo que dá muito gatilho na gente. Antes de fazer as cirurgias eu fiquei nessa de "nossa, vou fazer um textão, vou postar a minha cara toda inchada", vou postar "obrigada mãe, obrigada pai por essa cirurgia", "obrigada, mudou a minha vida e agora tudo vai mudar". Só que não, guardei as fotos - pelo menos fiz fotos, fiz registros. Pedi para registrar a cirurgia porque eu queria muito registro da cirurgia, porque artista né. Eu queria pelo menos pra usar em alguma coisa. Foi um B.O., porque o cirurgião não quis, eu tive que trocar de cirurgião pra conseguir gravar. Eu só consegui trocar de cirurgião de última hora, assim. Mas é isso, acho que o Instagram traz bastante isso… por isso até que hoje em dia eu sou bem desligada. Não sou aquela pessoa que fica assim noiada em instagram não. Fico mais desligada. A gente fala que a gente não tem que seguir essas pessoas perfeitas do instagram, essas blogueiras famosas cis, que a gente tem que seguir as pessoas trans. Só que hoje as pessoas trans do instagram também já tem as vidas perfeitas e já passam uma vida, sabe? Já não é mais só militância. Óbvio não é todo mundo, mas pelo menos quem eu to seguindo tá passando um life style chique (risos). Eu já sigo outras pessoas, mas quem eu to idolatrando não é quem tá militando, é quem tá dando close no Copacabana Palace, sabe?

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Acho que é isso, vende. E a gente compra. Vende e eu to comprando essas meninas gatas perfeitas no instagram e to querendo ser que nem elas, pelo menos um pouquinho. Mas tem o outro lado que tá assim "não, não, não. Você consegue ser quem você é e você não precisa de cirurgias, disso e daquilo."

E também teve disforia do início da cirurgia de me sentir meio plastificada. Porque também puxou pra cima, eles colocaram uma linha aqui [aponta pra testa] e eu não tinha combinado isso com o doutor, ele botou na hora. Tem um parafusinho aqui. Ele colocou porque achou que ia ser melhor e doutor sabe o que faz né? Só que eu fiquei achando que eu tava com cara de plastificada e tal, achei que eu tava +30 anos. Só que aí eu fiquei "ai garota, para! Vai ser feliz com o que você tem e para de reclamar".







Joana de Fátima Barreto
1996

Mulher trans
ela/dela
2 anos e meio em hormonização
@tijolos_/
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*ensaio realizado em maio de 2024 em São Paulo (SP), Brasil

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ser trans retrata e abre espaço para que pessoas trans, travestis e não-binárias possam ser protagonistas da sua próprias histórias, repensando um arquivo trans brasileiro. 
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