Eu sempre fui a famosa criança viada que não correspondia em nada com os estereótipos de masculinidade que queriam que eu correspondesse, odiava esporte, odiava jogar bola, odiava as outras crianças também. Não tinha amigos, eu era aquela criança chata que ficava o dia inteiro dentro de casa desenhando e eu nunca entendia porque. Eu não me via representado nas meninas, eu não queria ser uma menina, mas eu também não queria fazer o que os meninos tavam fazendo, não gostava deles, do que eles representavam. Aí eu fui crescendo meio que preso no meu mundinho, sabe? De me isolar completamente das pessoas. E aí eu comecei a conhecer mais sobre arte drag. 

Eu sempre gostei muito de maquiagem e tal, eu lembro que minha primeira referência de drag foi uma mulher trans na verdade, né? Foi a Nany People, eu pensava "meu, essa pessoa é incrível! Porra, ela fala o que ela quiser, porque ela tá assim, sabe?" Aí deu o boom de RuPaul e tá, conheci drag, conheci a Nany People, comecei a conhecer um pouco de RuPaul e aí eu conheci as drags mais freakzinhas assim, que é um estilo que eu curto mais. Eu comecei a experimentar também, aí quando percebi que sendo drag eu podia fazer o que eu quisesse, ser quem eu quisesse, eu percebi que eu sendo eu podia ser quem eu quisesse. 

Porque eu sempre falo, sempre pensei que a arte é a representação mais humana da gente mesmo, sabe? Porque a arte não precisa ser bonita, ela pode ter dor, ela pode ter raiva. A arte é tudo, então tipo, se eu faço arte é porque eu sou tudo também; eu posso ser o que eu quiser. Daí eu pensei "se eu posso transitar, dentro da minha drag, entre uma coisa hiper feminina até, sei lá, um monstro, porque eu tenho que me limitar a uma caixinha enquanto ser humano? Porque eu como pessoa, e não só como artista, tenho que ficar dentro de alguma coisa?" Aí deu aquele estalo, assim, "cara! Eu não tenho, sabe? Eu não sou nada disso, não sou homem, não sou mulher. Não quero ser. Não quero parecer um homem, eu não quero parecer uma mulher", foi aí que falei "é isso, galera. A não binariedade é real."




Eu ficava "tá, ok, eu sou só um gay que não quer parecer um homem, mas também não quer parecer uma mulher, ou talvez eu queira parecer uma mulher que se pareça com um homem, que se parece com uma mulher, e assim por diante..." aí eu ficava tipo "não, mas eu não quero isso. O que tá acontecendo? Que tipo de pessoa errada eu sou?", eu pensava "tá, ok, eu sou hiper feminino, talvez eu seja uma mulher trans", mas eu não quero isso, não me considero uma mulher trans... Aí pesquisando, pesquisando, pesquisando, fui descobrir outras pessoas não binárias. Foi um outro rolê também, são pessoas diferentes, então, eu não era parecido com nenhuma delas, e também não com os outros trans binários, então...

Eu lembro de uma pessoa em específico que fala sobre não binariedade, que é a Ruby Rose, a modelo. Na verdade, ela não é não binária, mas ela fala bastante sobre isso. Hoje em dia tenho divergências com uma certa youtuber, mas que na época foi de grande importância pra eu entender o que tava acontecendo. Mas também, tipo, vários atores, por exemplo, que não performam exatamente... porque tem muito disso, de existir uma não binariedade... E as pessoas esperam que você performe uma androginia dentro da não binariedade, e não necessariamente. Tipo, o Sam Smith, por exemplo, é uma pessoa não binária, e ele não performa androginia. Tem Demi Lovato também - mais recente, né? O Sam Smith faz tempo... O Ezra Miller... O Jaden Smith também foi uma referência bem interessante. Aí conversando com pessoas de fórum da internet, bastante no Reddit - o Reddit assim ó, tudo que você quiser achar, é perfeito.  Aí eu pensei assim "não sou só uma gay". Isso foi lá por 2017, eu tava no terceiro ano do ensino médio. Eu comecei a fazer drag em 2016. Cara, comecei a fazer drag menor de idade, no ensino médio, babado!



A minha mãe já via que eu era estranho, que eu me maquiava, ela cagou. Cheguei pra ela, falei "mãe, não sou homem nem mulher", ela falou "então tá, então tá bom meu filho, é isso". Realmente, sabe? Ela nunca me viu também assim. Ela falou "o que tu quiser ser, se tu for uma mulher..." Antes a gente tinha tido conversas sobre ser gay, ser bi, ser... e ela sempre me apoiou. Daí quando eu falei que não me identifico nem com um, nem com outro, ela falou "como assim? Não é um nem outro?", eu falei "olha... existe homem, existe mulher, mas, por exemplo, olha essa cultura aqui, tem vários espectros", aí expliquei que gênero é uma coisa meio de espaço e tempo, ela falou "entendi, então é isso que tu é." Hoje, por exemplo, ela me trata no masculino, no feminino... Ela olha na minha cara e acho que vem no modo aleatório, sabe? (risos). O meu pai não apoia. Identidade de gênero nunca conversei com ele, mas quando falei que era gay ele já ficou pistola da vida, um mês sem falar comigo. A gente não tem contato. Quando ele descobriu que eu fazia drag ele ficou mais puto ainda, e quando ele descobriu que eu era bi, na real, aí ele ficou "meu deus, meu filho tem salvação", eu falei "querida...". Eu não queria contar, ele descobriu porque minha mãe contou, eu queria dar desgosto pro véio.

Eu achava o máximo [ele achar que era gay]. Eu falava "querida, hoje sentei em tantos homens", só pra provocar. Aí um dia minha mãe falou que eu saí com a Alice, ele perguntou quem era e ela falou que era minha namorada. Eu falei "puta merda! Não! Não!". Ele falou que poderia ter netos e sei lá o que. Eu falei "é gata... Vai rolar não." Ele tem mais três filhas mulheres, ele que arrume neto de outro jeito. Olha minhas plantas, você acha que eu tenho condição de cuidar de uma criança? (risos)





Eu sempre falo pra mim mesmo que a pessoa mais importante do mundo sou eu. Então, não importa, qualquer coisa que ficar no meu caminho, se eu tiver que passar por cima, eu vou. Se tiver que esquecer, não importa. Eu já tive esse papo com minha mãe, dela me apoiar, eu falei "tu escolheu me apoiar, mas se tu não escolhesse eu simplesmente ia te cortar da minha vida, porque eu não tenho problema nenhum em fazer isso com as pessoas." Se não tá aqui pra me apoiar, simplesmente não vai fazer parte da minha vida. Eu não nasci grudado com ninguém, e acho que a gente que é LGBT aprende muito cedo que a gente tá sozinho. As coisas que eu passei quando meu pai largou a gente e minha mãe trabalhava muito e entrou em uma depressão fodida... Eu estudava, trabalhava, fazia curso e cuidava da casa, ninguém ajudava. Principalmente o pessoal da nossa religião, da época, eles completamente cagaram. Eu lembro que uma vez eu vendi um filtro dos sonhos e foi a maior alegria porque eu consegui comprar arroz e um refrigerante; porque a gente não tinha, basicamente, o que comer, e ninguém ajudava. Era eu por eu e eu pela minha mãe. Eu sempre pensei nisso: se nessas épocas, em que eu era mais novo, eu não precisava de ninguém pra me virar, não vai ser agora que eu vou precisar. Essa é a relação que eu tenho com meu pai, sabe? Não quer me aceitar? Fora da minha vida. E não é aceitar alguma coisa ou respeitar, que nem uma vez ele falou "eu te respeito, só não quero tu com outro cara dentro da minha casa", eu falei "então tu não me respeita, e tu não vai ter nem eu sozinho dentro da tua casa, porque se for pra me aceitar, vai ter que me aceitar do jeito que eu sou, completamente. Eu, a minha drag, as minhas duzentas personalidades que vem cada dia - vai ter que me aceitar do jeito que eu sou, se não, assim (som de beijo), vai atrás das tuas outras filhas, que tu tem mais", ainda falei "e fica esperto porque quem vai escolher o asilo sou eu porque sempre sobra pro viado" (risos)" 

Me sinto muito sortudo de ter o apoio de família de sangue, no caso, minha mãe, minha avó, meu avô... Meu avô já me defendeu em muitas, muitas ocasiões, a minha vó também. Minha vó tem setenta e poucos anos, uma vez a gente tava em uma loja de roupas e eu falei que queria uma blusa, daí a mulher falou que era feminina e minha vó falou "não tem problema, ele quer. É só uma roupa." Ela entende super de boas, desde questão de sexualidade... Ela teve que aprender que uma hora eu tô beijando uma menina, uma hora tô beijando um menino, às vezes tô beijando os dois também. E super normal, tratam com maior normalidade, mas acho que quem não tem essa sorte pode se apoiar nos amigos também, né? Eu sempre falo que o pessoal vê muito família como sangue, e não é. Amigo também é família cara, tipo o Elemar é minha família sabe? O Elemar é meu melhor amigo, galera! (risos). Mora aqui embaixo a gayzinha. Veio aqui, comeu metade do bolo que eu fiz, só pra deixar claro, transcreve essa parte! Comeu metade do bolo que eu fiz, ficou uma chinela? Ficou uma chinela! Mas ele comeu! (risos) 


Eu fui uma criança muito introspectiva, muito mesmo. A minha mãe - eu lembro quando a gente morava em Veranópolis - ela me colocava pra fora, trancava a porta pra eu ir brincar na rua (risos). Eu aprendi a ler muito cedo, aprendi a ler com três pra quatro anos, então minha infância inteira era atrás de livro, de desenhar... Eu era criança artística, todo LGBT assim tem um pézinho na arte, pode notar. Eu era muito introspectivo real, meus únicos amigos no colégio eram as pessoas mais excluídas, sempre eram os mais excluídos: ou era o menino preto, ou era a menina gorda... Eu lembro que na terceira série eu era amigo de uma guria que tinha dificuldade de aprendizado; e era sempre uma pessoa por turma que eu conseguia conversar, assim, de boas. Eu tive que fazer terapia pra largar a timidez, pra conseguir falar com as pessoas, e eu acho que isso tinha muito a ver com eu ter sido criado dentro das Testemunhas de Jeová. Desde os sete anos, eu entrei num negócio que chama "Escola do Ministério Teocrático", eles ensinam tu a falar em público, a fazer discurso, a falar com as pessoas - pra encher o saco das pessoas de manhã no domingo. Aí eu falava e eu era muito bom, realmente, mas eu odiava fazer isso! Então, o tempo em que eu podia ficar na minha, quieto, eu ficava. Quando eu saí das Testemunhas de Jeová meio que tudo que eu queria ficar quieto eu fiquei. Aí eu não me expressava, eu não conversava com ninguém, eu não falava, aí foi meio que dando um puta bagulho psicossomático, veio a bulimia e tal. Eu comecei a fazer terapia pra conseguir ter interação social com as pessoas, conseguir conversar de novo, falar com o professor, com o colega; tanto que no fim, acho que a terapeuta foi boa até demais, nunca mais parei de falar (risos). É tipo biotônico que você toma tanto que o apetite nunca mais fecha. Tanto que eu faço comunicação social agora. Odeio metade das pessoas? Odeio, mas me comunico.




Eu tenho uma alteração cromossômica, que é ser XXY, geralmente dá um monte de merda e em mim, por alguma razão, não deu, só que eu não tive meio que o desenvolvimento completo na adolescência por causa disso. Daí eu não tenho características secundárias nem masculinas, nem femininas completamente desenvolvidas. Eu tenho algumas de um lado, algumas de outro, por causa das bombas hormonais e ciclos, por causa disso. Naturais, nunca me hormonizei, inclusive que a gente tava falando da endócrino querer que eu escolhesse ser uma coisa ou outra, e eu "cara, não!". Minha mãe também me apoiou muito nisso, porque, como eu era menor de idade, a endocrinologista falou "ele tem que escolher alguma coisa, se ele não escolher você vai ter que escolher por ele", e minha mãe falou "não vou não, o corpo é dele, ele faz o que ele quiser. Quer tomar hormônio? Vou apoiar tomar bloqueador e fazer terapia hormonal. Não quer tomar? Não vai tomar." Aí eu nunca quis tomar, não penso em tomar; se um dia vier a acontecer, eu sei que vou ter total apoio, mas não tenho menor interesse por enquanto. 

Acho isso muito complicado também em relação a colocar como patologia coisas que são alterações que ocorrem naturalmente. Por exemplo, em mim... Eu não sou uma pessoa que tem problemas por causa disso, eu gosto de ser do jeito que eu sou, eu gosto do meu corpo, eu gosto do meu rosto, eu gosto da minha voz - a minha voz é uma característica que é por causa disso, não engrossou por causa da falta de... Tipo, eu tenho um nível de testosterona normal pra um homem, mas eu também tenho um nível bem alto de hormônios femininos, então meio que eles se contrabalanceiam e então minha voz não muda, por causa disso. A minha altura também não muda. Eu não tenho problema nenhum com meu corpo, com minha aparência, inclusive, se eu pudesse ser mais andrógino, causar mais confusão ainda... Pane no CIStema, sabe? Eu gostaria, sabe? 

Eu gosto muito disso - já puxando o gancho da arte - de colocar isso na arte, sabe? Porque eu desenho bastante coisas relacionadas a mitologia cristã, meio que pra afrontar a mitologia cristã nesse aspecto. Eu desenho bastante a coisa da mitologia judaica também, a Lilith é da mitologia judaica. A minha drag, o nome é Lilly T. também por causa disso; porque ela inverteu um papel de gênero, ela não queria ficar abaixo de um homem, porque é sobre igualdade. Tem algumas pessoas, inclusive, que falam que Lilith é um símbolo dos não binários, porque ela pegou e transcendeu o papel de gênero que ela tinha, pegou e foda-se! Tem muitos não binários que idolatram Lilith por causa disso. Inclusive, em algumas culturas africanas, não binários são considerados meio que como encarnações de divindades - acho isso muito foda. Dentro da arte eu gosto muito de me expressar assim, eu quase sempre desenho personagens femininas, porque eu gosto muito desse lado da força feminina, mas eu desenho também bastante personagens com características dúbias: homens com peito, homens com vagina, mulheres com pênis, e vai indo. E quase sempre personagens não humanos. Não sei porque, sei lá. Eu gosto de coisas um pouco macabras também, eu acho legal esse negócio de você colocar seus demônios pra fora através da arte e meio que afrontar uma coisa que te fez tanto mal, que nem foi no meu caso o cristianismo. Desculpa se tem algum cristão lendo isso, mas, assim, não gosto.
Sempre me colocaram como errado, primeiro porque não pode homens né? Não pode homem ficar com homem, e até então eu era um homem. Depois, eu não podia ser eu, eu tava completamente errado porque eu era uma pessoa não binária, porque "Deus fez homem e mulher", é aquele clássico "Deus não fez Adão e Ivo, fez Adão e Eva." Tipo... sobre Adão e Eva? Eu tô bem ali no meio, sabe? Eu sou a maçã, eu tô mais pra serpente, no paraíso tô mais pra serpente assim" (risos).

Depois veio esse lance de ter que ser de tal jeito, inclusive, se tu olhar no meu instagram tem umas fotos de quando eu era Testemunha de Jeová, eu não apaguei esse álbum pras pessoas verem a evolução, sabe? Nossa, que nem eu falei em um vídeozinho do dia da criança, eu parecia uma criança feliz, mas eu era bem triste. Religião sempre foi uma coisa que me agrediu muito, uma coisa que me incomodava muito era a hipocrisia que eu via, principalmente no meu pai. Eu tinha dinheiro, eu não precisava comer em casa, eu andava pra onde eu queria, eu tinha tudo que eu queria o tempo todo, e a minha mãe também. Aí, o meu pai, que era o cristão tradicional que todo mundo idolatra porque tem a família tradicional e faz tudo certinho, foi pego dentro da empresa com a amante, sabe? Aí por causa disso eu perdi tudo de condições financeiras. Já me incomodava ter que estar dentro de uma religião, eu já pensava que ia fazer 18 anos e fugir de casa, aí, quando isso aconteceu e a religião não apoiou e ninguém apoiou - as pessoas literalmente viraram as costas pra gente que não tinha culpa - eu pensei "cara, se isso é ser cristão, eu quero isso longe de mim". Sei lá, não tenho uma relação... Não acredito em um deus específico, mas acho que a gente tá aí por alguma razão.



[Ter orgulho] É um preço alto a se pagar. Eu, realmente, tenho muito orgulho do que me tornei hoje, tenho certeza que o José de dez, onze anos, que assistia Alejandro [música da Lady Gaga] escondido porque era "do demônio", ia ter orgulho da pessoa "esquisita" que eu me tornei hoje. De me olhar no espelho e me sentir bonito e gostar de mim, sabe? Teve todo o rolê de distúrbio alimentar e de distúrbio de imagem... Até chegar onde eu tô e eu gostar do que eu sou. Por vários relacionamentos, e não só relacionamentos amorosos, mas de amizade, de faculdade, de escola, eu tentei me encaixar em um padrão que não era eu - e aí eu vi que não vale a pena. Eu digo que é um preço alto a se pagar porque a gente acaba ficando muito solitário, mas entre ficar solitário e me amar, ou não me amar pra ter alguém que tem eu como um molde idealizado, eu prefiro ficar sozinho. E, realmente, eu tenho muito orgulho da pessoa que eu me tornei hoje.

Eu acho que eu ia gostar de me ver... se eu fosse criança, ver alguém igual eu. Eu não tinha muita referência, acho que por isso eu gosto tanto da Gaga, porque foi a primeira referência, e é até hoje. É uma referência de tu se expressar visualmente, eu acho que a aparência é uma coisa muito importante da nossa identidade. Eu, por exemplo, me preocupo bastante com a aparência.

Não tenho vontade de colocar silicone, não tenho vontade de fazer vagina - pra quem não sabe, eu tenho um pau (risos). Mas, o resto das modificações corporais... Eu sou bem tatuado, tenho bastante piercing, quero bifurcar a língua, apontar as orelhas: algo que me deixe bem longe de um padrão "humano", eu tenho vontade de fazer. Tem um conceito sociológico que fala que a gente é moldado pela sociedade, mesmo que a gente não queira, a gente tem que obedecer a alguma coisa. Quanto menos você quer obedecer a sociedade, quanto menos você se conforma, mais modificações você faz, porque você não tem autonomia sobre teu corpo, porque a sociedade vai te obrigar a fazer as coisas. Então as modificações corporais tem muito a ver com isso, de você sentir que tá no controle; acho que é por isso que eu gosto tanto de modificações corporais em geral e é por isso que eu vou fazer tantas. Assim esperamos. Só não quero tirar o nariz, porque assim, acho meio estranho. Nada contra quem tirou. Sobrancelha eu já não tenho, se tirar o nariz... (risos).

Acompanhando o tiktok eu acho que [o futuro] vai ser todo mundo sem sobrancelha! (risos) Tipo, eu acho que vai ser uma geração bem melhor, porque eu vejo que muito adolescente e pré-adolescente... A minha prima, por exemplo, ela já tem uma noção de respeito que eu não tinha com a idade dela, com onze, doze anos, eu era uma bosta, sabe? Eu reproduzia um puta preconceito pras pessoas não me atacarem. Tu se entendeu há dois anos, eu me entendi há cinco... Já foi bem mais rápido, né? Eu acho que vendo modelos de outros países que não tratam crianças como "ele" ou "ela", eu acho isso muito importante. Igual a questão do pronome neutro, eu relutei bastante, era uma coisa que eu não gostava. Eu já fui muito preconceituoso, perguntando porque botar isso, achando uma bobagem, mas eu acho que com o tempo vai ser uma coisa que vai acontecer. E acho que é importante pro futuro, pras novas gerações. Eu acho que a tendência é... Tipo, se não tiver uma onda de conservadorismo, vai ter uma onda das pessoas serem quem elas são muito mais facilmente do que foi pra gente, né? Porque ok, eu tenho 21, já não foi fácil, pra tua geração foi pior ainda. Imagina pra geração de travestis bem mais velhas, 40, 50 anos... Agora eu vejo adolescentes de 14, 15 anos já falando que são uma mulher trans, um homem trans, não binário... Exercendo identidade de gênero e sexualidade do jeito que quer, e, muitas vezes, com apoio dos pais já - coisa que a maioria de nós não teve, né? 






Cada um tem seu tempo. Tu não precisa dar satisfação de nada pra ninguém. Acho que "baby, I was born this way", é sobre isso, sabe? Você nasceu assim, seja você! E é isso, a opinião dos outros vai tá sempre em cima de ti e, infelizmente, é uma coisa que a gente não pode mudar, então, só... O importante é você se aceitar e ser quem você é. Se existe gente te fazendo mal, seja da sua família ou sejam amigos, não é porque é sangue do teu sangue que tu tem que tá junto, se afasta - eu acho que isso é a coisa mais importante, tipo, se afasta de quem não te bota pra cima. Só se afasta. Eu entendo que tem muita gente que não consegue no momento, mas quando puder se afastem e sejam vocês. Já diria a rainha Pitty "mesmo que seja estranho, mesmo que seja bizarro."








José Luiz
2000

José e Lilly T ao mesmo tempo, não binário e intersexo orgulhoso demais, sempre preenchido pela arte e sendo a potência da natureza que ainda vai ser reconhecida como o futuro.

Não binário
qualquer pronome
"nunca me hormonizei e não pretendo"
@srjosee_


*ensaio realizado em Santa Maria (RS) em outubro de 2021
Projeto financiado pelo edital decorrente do Termo de Compromisso Consensual⁣ celebrado pela PRDC-RS/MPF em decorrência do fechamento antecipado da exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira"
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Esse projeto foi idealizado por Gabz, transmasculino não-binário e multiartista. Ser Trans retrata e também abre espaço para que pessoas trans, travestis e não-binárias possam ser protagonistas da sua próprias histórias. Buscamos representatividade na frente e atrás das câmeras. Esse trabalho começou por urgência. Ser Trans conta também com a colaboração de Lau Graef, artista transmasculino, estudante de artes visuais e ativista autônomo; Luka Machado, travesti, atriz, artista visual e ativista; e Morgan Lemens, homem negro trans, roteirista, pesquisador e assistente de fotografia. 
Ser Trans é produzido de forma autônoma por pessoas trans e todo o conteúdo é oferecido de forma gratuita. Você pode ajudar a manter o projeto compartilhando com amigues e fazendo um pix para sertransproj@gmail.com. Para ter acesso exclusivo antecipado a todo o conteúdo, assine o Catarse do projeto. Obrigado por apoiar um projeto feito por pessoas trans <3

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Autorretrato de Gabz  revelado por Eloá Souto, digitalizado por Lab:Lab

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