Eu sou a Jordanna, gosto mais do meu apelido, Danna. Eu tenho 26 anos, atualmente estou desocupada, por aí, na vida; vivenciando, curtindo, aproveitando. 

Eu queria falar sobre uma coisa que eu tava refletindo, sobre a questão de liberdade - eu sempre gosto de falar sobre isso porque é uma coisa muito forte e expressiva pra mim, na minha vida... Na vida de toda pessoa LGBT+, né? Eu sempre faço questão de falar sobre isso sempre que posso, porque me toca muito quando eu paro pra pensar. Quando eu tava me descobrindo, tinha toda aquela questão de viver em uma família que não era super religiosa, mas eles sempre foram conservadores e a gente sabe como é, né? Difícil crescer em uma família assim. Eles sempre foram ótimos pra mim, mas tinham aquela questão de exigir que eu vivesse naquela caixinha - e aquela caixinha era muito massacrante pra mim, me deprimia muito. Eu realmente achava que a minha vida seria... Aquilo. Eu achava que não tinha outro lugar pra correr, se não viver reprimida naquela caixinha sufocante, e aí, então, eu fui me descobrindo, buscando informações e mesmo com um pouco de mais informações, era aí mesmo que eu parava e pensava "não vai dar pra mim, eu não vou conseguir. Vai ser muito difícil contar. Vai ser muito difícil conversar sobre essas coisas." Mas, enfim, eu consegui - não sei como, não sei de onde surgiram forças, foi maior que eu. Eu não consigo explicar. Eu, realmente, não sei explicar de onde veio aqui, porque eu achava que nunca ia conseguir. (suspira) A palavra "liberdade" significa tanto. Muito mais do que a palavra, do significado, é uma coisa maior que eu, maior que tudo.

Às vezes eu fico pensando em como seria se eu não tivesse conseguido. Eu acho que eu não teria suportado por muito tempo mais. Eu ouvi tanta coisa que machucou, tanta coisa que ficou como uma ferida aberta por tanto tempo que eu achava que nunca ia cicatrizar. Até hoje, mesmo com algumas coisas superadas, tem algumas que estão no processo de cicatrização ainda. Nos últimos tempos, eu tenho lutado muito contra essas feridas que volta e meia parece que se reabrem, por algum motivo ou outro. Eu me pego, nos meus momentos de fraqueza, achando que eu não sei ainda quanto tempo mais eu vou suportar algumas coisas, mas em outros momentos eu me pego pensando "meu deus, como eu ainda tô aqui! Como eu consegui!" Como eu disse, meus pais sempre foram ótimos pra mim, mas eu tinha muito aquela questão de querer agradar. Na minha cabeça eu achava que eu iria magoar, fazer mal... Na minha cabeça a minha mãe iria adoecer por minha causa. Às vezes as famílias não são tão religiosas, mas o conservadorismo tá alí alí com a religiosidade. 

Ainda falando sobre liberdade: eu me sinto muito feliz quando eu falo com as pessoas sobre isso porque eu acho que eu poderia fazer mais pela causa, mas, às vezes, eu não tenho força pra ir atrás, pra ser uma pessoa mais ativa na causa. Eu me pego muito lidando com meus processos internos e, às vezes, não sobra força pra outras coisas, mas o pouco que eu consigo fazer é isso: falar sobre liberdade pras pessoas. [Falar que] elas nunca deixem de pensar nelas - eu sei que pode ser difícil, às vezes é amor, a gente pensa no outro, mas a gente tem que pensar na gente também. A gente nunca pode deixar de pensar na gente, a gente tem que refletir "poxa, vale a pena só eu pensar nos outros e não pensar em mim? Eu tenho a minha vida pra viver, as pessoas tem a vida delas pra viver. Não é justo, não é justo eu só pensar nos outros, porque todo mundo nasceu livre; todo mundo tem que ser livre." Eu quero muito ainda poder falar mais sobre isso pras pessoas porque a gente sabe que tem muitas pessoas que não tem com quem falar sobre essas coisas, então, quando elas conversam com quem entende um pouco do que elas passam, é uma forma de carinho, uma forma de expressar de algum jeito: "Eu posso não saber exatamente, no mesmo nível, o que tu tá passando, mas eu sei como é isso. Eu sei que pode não ser... Cada caso é um caso, mas tu não tá sozinho, tu não tá sozinha, tu não tá sozinhe." Eu acho que o pouco que a gente pode compartilhar uns com os outros é, realmente, uma forma de carinho - por mais que a gente não conheça as pessoas - acho que isso pode fazer um carinho, um cafuné no coraçãozinho delas.

É claro que é importante que a gente se una cada vez mais, mas quantas pessoas por aí tão ativas, fazendo tudo que podem, dando o sangue - como muitos, muitas, muites que vieram antes da gente - e aí, eu fico pensando que essas pessoas, quando chega no final do dia, elas devem refletir muito "nossa! Eu tô cansada, eu tive um dia bem cheio, eu fiz tanto" e aí elas se deparam com os fantasmas delas; e isso deve dar uma dorzinha, deve bater uma bad, porque "tudo bem, é ótimo poder estar ali ajudando, mas porque eu não tô me ajudando?"



Eu tive que sair do armário duas vezes: a primeira vez, em 2015, eu não tinha muita informação, eu queria que eles soubessem que eu gostava de meninos. Naquela época o que eu sabia era isso: eu gostava de meninos. Eu não tinha atração por meninas, eu sabia que tinha por meninos. Eu tinha aquela ânsia, aquela coisa, de contar pra eles. Eu consegui contar, aí a minha mãe deu um show, né? Deu um ptzão lá, mas nada agressivo só que bateu nela - acho que ela não esperava, não tava pronta. O meu pai, que é homem, conservador - não aquele conservador escrotão, mas, enfim - ele foi quem mais me abraçou, me apoiou; acho que por ser um homem negro. A gente sempre teve mais carinho e, por mais que ele fosse ausente no sentido de ter que trabalhar muito, a gente sempre teve uma coisa assim... Na verdade todo mundo lá em casa tem um carinho especial com ele porque ele é mais uma pessoa acolhedora; eu me identifico muito com ele. A minha mãe já é mais exclusiva, que nem o meu irmão. Então nesse momento foi isso: meu pai me acolheu muito, minha mãe nem tanto. Depois daquela noite eu senti um peso enorme sair das costas. Os dias foram passando e eu sentia que tinha ficado algo ainda, eu comecei a refletir "ok, eu sinto atração por meninos, mas eu nunca me identifiquei como um, eu sempre me vi vivendo uma mentira", isso é muito forte pra mim. Eu sempre senti isso. Sempre me senti vivendo uma história que não era minha, em um corpo que não era meu, em um dia a dia que não era meu, em planos que não eram meus. Os dias foram passando, passando e isso foi cada vez ficando mais forte, as perguntas, os questionamentos, e aí sim que eu fui atrás de informações. Aí se abriu uma janela linda diante dos meus olhos - até certo ponto, porque... Eu pude descobrir as respostas e que tem pessoas iguais a mim, eu não tô sozinha, não tem nada de errado comigo. Quando eu descobri essas respostas, foi no mesmo ano, no final do ano. Eu lembro muito bem que no comecinho de 2016 eu já tinha certeza absoluta "é isso, é isso." Mas, só dois anos depois eu consegui contar pra eles, me declarar mulher trans. 

Foram os dois anos mais longos da minha vida porque... Aquela história: novamente tentar encontrar forças pra, de novo, passar por tudo aquilo. Felizmente eu consegui, eu conversei com eles de novo, falei "mãe, pai, lembram daquela conversa? Então, eu tava enganada, eu não tinha muitas informações, acabei falando uma coisa que eu não me identificava, na realidade. Então, eu pesquisei, conheci pessoas que se sentem como eu e eu queria dizer pra vocês que eu me descobri como uma mulher trans." Dessa vez, felizmente, foi tranquilo - muito porque, mesmo sem conseguir ter coragem nesses dois anos, às vezes eu dava sinais pra tentar que eles entendessem pra qual caminho eu tava indo intelectualmente. Tipo, tava tentando dar sinais pra que eles entendessem que havia uma coisa ali diferente acontecendo comigo pra tentar ir preparando eles. Já é difícil falar "mãe, pai, eu gosto de meninos", imagina nessa questão que pra eles é muito mais complexa. Mas, enfim, como eu disse, foi tranquilo; meu pai, novamente, abriu os braços pra mim, minha mãe ficou na dela, mas eu percebi que não tava ok pra ela, mas ok... Eles nunca me trataram mal desde que comecei a me descobrir, aos poucos - o que é ótimo, é maravilhoso. 

Uma coisa que me entristece muito é que por mais que eles já tenham falado "ai, a gente precisa de um tempo pra te tratar no feminino, essa questão toda", eu fico triste porque eu penso muito sobre o tempo que a gente tem aqui. Eu reflito muito sobre o aqui e agora ser o que a gente tem. O presente é o que a gente tem, o amanhã vai ser outro presente, mas e se esse presente não vier? Então, a gente tem que aproveitar o presente que a gente tem hoje, e, porque deixar pra depois? "Tudo bem, é difícil pra vocês? Ok, eu entendo". Mas será que é porque é difícil? Será que não é uma questão de ego? Deles pensarem só neles e não pensarem em mim? Principalmente pelo fato de que eu já deixei bem claro que isso é uma coisa que significa muito pra mim, então, às vezes eu me pego bem mal, magoada e triste, pensando "quanto tempo mais? E se eles se forem? E se eu me for?" Eu não sou uma pessoa 100% resolvida com a morte, eu também não sou uma pessoa 100% religiosa mas eu tenho algumas crenças e eu creio que o que a gente tem pra resolver aqui, viver aqui, é o aqui. Eu acho que as pessoas que são mais velhas, que tem uma certa idade mais avançada, parece que elas tem uma coisa que se passa de geração pra geração. Parece que quando as pessoas tão no hospital, numa cama mal, aí elas tomam um choque de realidade e aí elas se permitem perdoar, se permitem entender o outro; eu acho isso triste. Não tinha que ser assim, por que esperar que alguma coisa ruim aconteça pra ser humano? Então... Eu tenho um certo medo, receio de que isso aconteça comigo porque eu não quero que isso aconteça, eu quero que a gente fique bem logo porque eu sinto que eu vou ser muito mais afetuosa, não que eu não seja, mas eu vou ser muito mais quando isso acontecer, quando eles deixarem o ego deles de lado - porque eu sei que é ego, a gente sabe quando é - eu sei que eu vou me dedicar muito mais, vou ser muito mais afetuosa. Enquanto isso não acontece, a gente vai vivendo normalmente, achando que tá tudo 100% ok, mas não tá. 

Eu sou geminiana com a lua em câncer, a lua em câncer pega bastante... (risadas)




A escrita é minha forma de escape no mundo. Eu não tenho muito mais o que falar sobre isso porque é isso: é a força de expressão da palavra. É um escape, é cura, é onde me reconheço, onde eu me curo e me liberto, também. Desde que eu comecei a entender que eu sentia atração por meninos, foi quando eu comecei a escrever. Eu tinha amigas que não eram LGBT e eu conversava muito com elas sobre, mas, até hoje em dia, eu me pego querendo conversar com a minha mãe sobre algum boy, mas eu não tenho condições, não tem aberto. Não que ela vá me reprimir, mas eu não sinto segurança pra chegar nela e conversar; como eu teria com uma amiga. E, mesmo com uma amiga, sei lá... Eu não tenho tantas amigas e elas não são todas trans, elas são mais cis, então, né? Talvez elas não entendam muito como é esse meio trans e tal. Desde que comecei a sentir atração por meninos eu comecei a escrever, porque eu me sentia melhor escrevendo e lendo sobre meus sentimentos - eu gosto muito de escrever sobre sentimentos, até hoje, porque eu sou uma pessoa que sente muito... Sou uma pessoa muito sensorial, tanto externamente, quanto internamente, então a escrita tem essa missão na minha vida, de me curar. Eu tô escrevendo, tô me curando. Tô escrevendo, tô fazendo um carinho em mim, me abraçando. 




[Sobre a questão da discriminação] o que sempre aconteceu comigo e acontece até hoje são os olhares. E não quer dizer que olhares não machuquem e tal, mas o que eu posso dizer é que eu recebo mais olhares tortos, olhares de desprezo. Não é uma coisa recorrente, mas acontece. É isso, felizmente nunca passei por coisas graves, até hoje pelo menos. O que eu me pego pensando muito aqui [Bagé], que é uma cidade pequena e cidade pequena a gente sabe como é, né? Cidades pequenas, mentes pequenas. Então, vou falar de boys, de novo: eles acabam sendo afetados porque - não vou dizer que muitos, mas a maioria - sentindo atração por nós, mulheres trans, eles não conseguem lidar com isso no sentido da família deles ter algum preconceito, então... As poucas vezes em que eu senti algo por alguém, foram as vezes mais difíceis pra mim; eu nunca namorei, mas se dependesse de mim eu teria namorado horrores. Mas não acontece por causa disso, porque tem esse bloqueio com eles, que né? Eles querem e tal, mas eles não vão sair da bolha de conforto deles pra talvez, sei lá, não vão por o conforto deles em jogo. O que eu particularmente tenho pra falar sobre mim é isso, mas, aqui na cidade, já aconteceu de um casal gay ser ameaçado por um cara com uma arma dentro de uma festa, e era uma festa sertaneja se não me engano. Eles contaram, expuseram isso e teve um ato por eles. Infelizmente não aconteceu nada, mas eles expuseram e tal e todo mundo se uniu; a gente fez uma passeata, foi muito importante, foi muito bom. 

Bagé é uma cidade pequena, super conservadora; pra vocês verem: o que mais tem aqui é quartel, agroboy... Então já viu né? Pode parecer que tô exagerando, mas não, realmente. É uma cidade que vai bem mais pro lado da direita, então a gente vive nesse impasse, por mais que a gente se sinta... Não vou dizer seguros, mas o pouco assim que a gente se sente... Tem pessoas que saem normalmente, de mão dadas e tal, mas fica aquela coisa, sabe? "Não tô 100% seguro". Creio que aqui as pessoas sejam pouco seguras pra se expressarem, ainda mais com essas coisas que aconteceram... Sendo uma cidade pequena, conservadora, fica um certo receio. 

Eu não tenho certeza, mas sabe quando tu conhece uma pessoa... Não sei explicar... Mas assim, a Duda, que foi recentemente assassinada, uma vez eu tava passando assim na rua e eu acho que ela tava indo pro ponto dela. Eu não sei dizer, mas tenho quase certeza que era ela. Eu não lembro o que eu tava fazendo naquele dia, mas sei que nossos caminhos se cruzaram e eu tive que parar pra conversar com ela; eu tenho uma coisa assim de querer conversar. Aí eu perguntei pra ela mais ou menos como era pra ela viver aqui em Bagé. Eu disse pra ela que eu tenho um certo receio, um medo do mundo lá fora e ela - acho que por ser uma pessoa de mais idade - falou assim "eu sou eu desde pequenininha; sempre tive o cabelo grandão, minha família sempre me viu assim", aí ela falou assim "acho que o preconceito tá na cabeça da gente, acho que o preconceito tá na gente", alguma coisa ela falou assim. Eu fiquei surpresa quando ela falou aquilo, ela sendo uma garota de programa com uma certa idade, mas acho que, sei lá, ela deve ter falado aquilo porque tava numa circunstância aleatória, não quis estender; ela não ia me contar a vida toda dela ali né? Talvez ela tenha falado por falar, porque a gente sabe que o preconceito não é uma coisa da nossa cabeça. Ainda falando dela, ela disse que já conheceu várias cidades, ela tinha silicone industrial, ela tava na faixa dos cinquenta e poucos, então ela já vem de uma época... Se bem que até hoje ainda tem a questão do silicone, das meninas sentirem necessidade e acabarem indo pelo meio "mais fácil". Aí ela disse que colocou silicone em outra cidade, que ela conhecia várias cidades e tal, ela ia pra onde queria, bem faceira... Aconteceu essa fatalidade dela ser assassinada por um cara que saiu com ela e não queria pagar - e ele matou ela. Era um cara que já tinha matado outra mulher, uma mulher cis, de um jeito brutal também.


Orgulho pra mim é quando acordo e sinto que ninguém, em nenhum lugar, naquele dia, vai me derrubar. Orgulho pra mim é quando eu raspo a barba - porque minha barba é muito grossa e então fica bem aparente - é quando faço ela e mesmo ficando aquela mancha verde eu saio, eu não tô nem aí; se bem que agora tem a máscara, mas antes da pandemia pra mim eu sentia assim "eu vou sair assim, eu sou assim". Uma coisa que eu sinto até hoje, uma coisa interna: eu sou assim, eles vão me ver assim, eu vou passar assim e eles vão me aturar assim, e não é nem atura ou surta, é só atura e não surta. Eu tenho muito uma coisa de que eu gosto de me fazer presente sempre que eu posso porque é importante nós nos fazermos presentes em vários lugares. Então, quando eu tô bem internamente, psicologicamente, não é que eu me esqueça quem eu sou, mas eu realmente não ligo pro que tá ao redor de mim, eu só penso no quanto eu tô me sentindo poderosa e orgulhosa de mim mesma naquele dia. Fico pensando em tudo que eu superei e posso superar. 

E, falando no que eu posso superar, até pouco tempo atrás, vai fazer um ano, eu comecei a sentir que eu mereço muito mais, essa cidade é muito pequena pra mim, é pequena pros meus sonhos, pequena pro que eu tenho almejado pra mim. Isso partiu da última vez em que eu conheci um cara que morava em outra cidade. Antes de conhecer ele eu ficava pensando "nossa, eu não posso conhecer alguém de outra cidade porque eu tenho problema com distância. Eu sou uma pessoa afetiva, eu quero ver a pessoa agora, tá ali, presente e a pessoa presente pra mim." Aí, eu tava gostando dele, aconteceu essa questão dele ter problema com isso na família - problema, no caso, preconceito - e aí não foi pra frente e me abalou bastante porque eu tava gostando dele real. Foi a partir daquele momento que eu consegui me pegar achando que eu posso, algum dia, quem sabe, morar em outro lugar por causa de uma pessoa. Por que eu não posso viver em outro lugar? Tentar a vida por mim, não por outra pessoa. Vai ser muito mais significativo se eu puder fazer isso pra mim, sabe? Abrir minhas asas de verdade e sair daqui, cidade pequena, e ver o que tem pra mim lá - lá que eu digo, no futuro, um futuro que não precisa ser tão distante. 

Eu tenho uma coisa com Portugal, eu amo o sotaque deles e, desde muito novinha, eu sempre gostei e ultimamente, recentemente, eu tenho procurado sobre e vi que não é difícil de ir pra lá; e isso tem rondado a minha mente muito, muito mesmo, tanto que eu tô meio que querendo planejar, conseguir um emprego aqui e tentar juntar uma grana e quem sabe ir pra lá. Se não der certo pra lá, pra qualquer outro lugar também. Às vezes eu me dou conta disso e tipo, meu deus! Parece que entrou uma coisa, que é um clone, porque não pode ser eu, porque sério, eu não me imaginava mesmo. Essa questão de ter medo do mundo lá fora tem o lado de ser uma mulher trans, mas é porque as pessoas aqui acabam não se permitindo. Elas acabam alimentando nosso medo falando que talvez não tenha muita oportunidade e que talvez seja muito difícil. Eu não quero ser essa pessoa, eu quero ser a pessoa que vai alimentar os sonhos e os desejos dos outros. 

Eu não quero envelhecer aqui, eu não quero viver o resto da minha vida aqui. Eu me sinto, desde já, bem realizada por isso porque até pouco tempo atrás eu não tinha condições nem de imaginar viver em outro lugar. E é isso, eu não quero... Não vou dizer que aqui é uma cidade tranquila, mas comparando tem outros lugares que são, com certeza, mais perigosos e talvez não tenham tanta oportunidade, mas no momento o que eu posso dizer é isso: quero abrir as minhas asas porque eu mereço muito e, hoje em dia, eu tô consciente disso. Eu mereço muito e a cidade aqui não tem esse muito. Eu não sou uma pessoa materialista, eu sou uma pessoa mais tipo, quero ter meu cantinho e viver em paz - na medida do possível, nesse mundo -, é isso, ter meu cantinho, fazer as coisas que eu quiser, fazer as coisas que eu gosto e começar a pensar mais em mim; que é o que eu tenho feito com essa questão de ficar afastada das redes sociais que tá sendo muito importante pra mim porque é uma desintoxicação mesmo. Às vezes a gente usa as redes sociais pra se distrair e acaba virando um vício, foi o que aconteceu comigo e, agora, ultimamente, eu tô no Facebook... Facebook eu tô com ranço, Instagram eu fico mais um pouco. Eu tô adorando ter esse ranço porque vai me afastando cada vez mais. Espero que eu consiga permanecer assim por mais tempo porque a internet é maravilhosa, ela conecta pessoas e histórias, mas, infelizmente, hoje em dia, o que mais tem é as pessoas dando mais valor pra coisas fúteis e isso eu acho ai... Não dá pra mim. Eu tenho voltado meus olhos mais pra isso: pras pessoas que conectam histórias, conectam outras pessoas e aí o universo me apresentou vocês, olha só! E a gente tá aqui e hoje eu fui num lugar que eu queria ir há um tempão mas eu não ia, não ia, não ia e aí fui com vocês. E é isso.


[fotografia analógica - dig/scan lab:lab]






Danna Nunes
1995
Danna, 26 anos. Uma viajante do tempo, tentando descobrir meu lugar no mundo. Plantando sementes de sentimentos pouco apreciados, por ai. Amante e amadora das artes de expressão.

Mulher trans
ela/dela
@danna_nunes_


*ensaio realizado em Bagé (RS) em novembro de 2021
Projeto financiado pelo edital decorrente do Termo de Compromisso Consensual⁣ celebrado pela PRDC-RS/MPF em decorrência do fechamento antecipado da exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira"
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Esse projeto foi idealizado por Gabz, trans não-binário e multiartista. Ser Trans retrata e abre espaço para que pessoas trans, travestis e não-binárias possam ser protagonistas da sua próprias histórias. Buscamos representatividade na frente e atrás das câmeras. Esse trabalho começou por urgência. Ser Trans conta também com a colaboração de Lau Graef, artista transmasculino, estudante de artes visuais e ativista autônomo; Luka Machado, travesti, atriz, artista visual e ativista; e Morgan Lemens, homem negro trans, roteirista, pesquisador e assistente de fotografia. 
Ser Trans é produzido de forma autônoma por pessoas trans e todo o conteúdo é oferecido de forma gratuita. Você pode ajudar a manter o projeto compartilhando com amigues e fazendo um pix para sertransproj@gmail.com. Para ter acesso exclusivo antecipado a todo o conteúdo, assine o Catarse do projeto. Obrigado por apoiar um projeto feito por pessoas trans <3

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Autorretrato de Gabz  revelado por Eloá Souto, digitalizado por Lab:Lab

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