Eu gosto de correr, gosto de praticar exercício, amo amo amo futebol. Tô afastado do futebol por um bom tempo e por muitos motivos que eu tenho com o esporte eu não consigo voltar. Antigamente eu queria ser profissional sabe então eu tava me encaminhando pra uma vida profissional e larguei. Na época que eu tava começando a treinar eu tava treinando com anemia, então eu não conseguia treinar com as outras gurias. Eu não tinha forças, literalmente. Então eu ficava mais na reserva e eu falava pra minha técnica que podia acontecer alguma coisa, então ela precisava sempre saber. E também nessa época eu não ia conseguir ser 'a fulana' sabe, jogar futebol feminino. Eu não conseguia jogar futebol feminino. Eu não conseguia jogar com as gurias, não conseguia de jeito nenhum. Com os guris eu sempre me sentia muito à vontade, mas com as gurias não. Não conseguia, eu tinha medo de machucar, eu tinha medo de fazer tudo assim, não conseguia jogar com elas. Com os guris eu já conseguia. Depois eu larguei porque eu fiz a minha transição e tal e daí não tem como tu jogar futebol. Até hoje assim, eu não vi nenhum guri trans… E eu não tenho mais idade pra jogar futebol. Se eu tivesse 18 anos eu obviamente super iria, mesmo, continuar na carreira do futebol. Ia tentar de todos os jeitos, mas vou fazer 27 então sem condições.
É um rolê muito conservador e muito machista, então tipo o rolê do futebol com certeza iria implicar com os caras trans. Já implicam no esporte. Eu tava vendo esses tempos de uma lei sobre as pessoas trans nas Olimpíadas. Porque o tratamento para mulheres trans é diferente do tratamento dos homens trans nos esportes. É mais aceitável um cara trans entrar. A mulher trans é lida como uma pessoa superior às mulheres cis por causa da testosterona. Porque acham que a testosterona é o rolê dos rolês. Por todos os fatores da 'biologia', como se pessoas trans não fossem biológicas. E enfim tem toda a polêmica sobre os corpos trans nos esportes. No futebol é um grande tabu. Já é um tabu o futebol feminino aqui no Brasil, imagina uma pessoa trans no futebol. Teve até uma reportagem de um cara trans que não fez terapia hormonal, não fez nada. Ele é da seleção brasileira de Futsal Feminino e ele não fez a transição, não trocou o nome nem nada, porque ele é jogador de futebol profissional, ele já tá na seleção brasileira de futsal feminino. Então a carreira dele é essa de jogador no futsal feminino, se ele for fazer a transição ele vai perder a carreira dele.
Pra homens trans é mais fácil entrar nos esportes porque a gente não produz testosterona naturalmente em grau alto. A gente produz testosterona num nivel baixo e quando um homem trans se hormoniza, ele vai tá com o nível de T também 'certinho' ali, no nível de T de um homem cis. Por questão de saúde, né, não pode ultrapassar isso. Agora pra mulher trans, elas produzem naturalmente mais testosterona do que estrogênio e a testosterona pra sociedade cis parece que faz a diferença de tudo. É 'o porque o homem é homem', sabe. 'Faz o homem'. Então essa pessoa não é lida como uma mulher, porque ela produz testosterona e tem todo esse rolê pra elas. Tipo tem a Tiffany que foi jogadora de vôlei do Sesi Osasco, que agora tá jogando no time brasileiro, que ela foi aceita depois teve toda a polêmica de quererem tirar ela porque ela jogava bem e dava [na mídia] 'porque ela é uma mulher trans então tem muito mais força' sendo que não, saca. É só por preconceito e puro preconceito. Simples. A única diferença é que ela é uma mulher trans e as outras pessoas são mulheres cis. Não é questão hormonal, não é questão de força. Ela tá com os mesmos niveis que uma mulher cis. Tanto é que é questão de doping se não tiver. Então é puro preconceito. Daí quererem se utilizar da biologia por puro preconceito. E vai continuar o Cistema, com C. Porque o padrão é cis, se foge desse padrão é um transtorno.
O nazismo antigamente tentava comprovar as suas "peripécias" com a biologia, saca, uns absurdos. Pra questões também de ser raça superior, que as pessoas tentavam antigamente comprovar que o branco era superior que a raça negra por uma leitura distorcida do darwinismo, a partir de uma leitura das teorias de Darwin. Liam dessa maneira e achavam que era aquilo lá. E utilizam disso pra argumentar como defesas dos seus pensamentos bestiais, dos seus preconceitos. Que nem as mulheres não podiam votar antigamente, daí usavam dos seus preconceitos para falar 'mulher não pode votar'. Isso é feito com nós.
É muita ignorância. É puro preconceito. Tu utilizar de nomenclaturas da biologia pra comprovar teus preconceitos. Tu tem o direito de te expressar, mas tu não tem o direito de oprimir, de invadir e oprimir os corpos dessas pessoas. De se intrometer na vida das outras pessoas, como elas vivem.
Agora no meu TCC eu resolvi fazer em duas partes. Estudar o negro de diáspora e esse negro brasileiro. E a questão de gênero e sexualidade desses corpos. Tipo, a gente vive cheio de recortes. O negro já não teve a oportunidade que pessoas brancas tiveram, então tu vai trazendo a questão do recorte de classe, recorte de raça, recorte de gênero. E tu vai vendo que a cada parte, cada nível, cada pedaço, as pessoas não vão tendo as mesmas condições que as outras pessoas tiveram. E com isso resultou em N coisas. Então eu queria estudar isso. Como o corpo negro é lido? Como o corpo negro gay trans é lido? Será que ele é preterido? Será que as pessoas desejam esse corpo? 'Bá, vou namorar com essa pessoa', sabe? Hoje a gente sabe que as pessoas trans, os corpos trans, principalmente mulheres trans e muitas delas mulheres trans negras - a gente tem dados de como as mulheres trans saem de casa a partir dos 13 anos, que morrem mais, a gente tem esses dados. Mas enfim, mulheres trans não são preteridas, entendeu. Já vem daquela cultura da pessoa cis de 'mulher pra casar' versus 'mulher que nao dá pra casar'. O corpo negro não é de mulher para casar. O corpo de mulheres negras, a violência que elas sofrem, a solidão da mulher negra. A mulher negra não é preterida. É mulher branca pra casar e mulher negra pra namorar, transar e deu. Só. Já tem estudos, já têm dados, isso existe. E logo tu vai trazendo esses recortes e logo tu vai vendo. Então uma mulher trans por exemplo mais padrão, magra e tal, hoje poderia, sei lá, ser capa da Vogue. Que né, querendo ou não tu tem um recorte ali, tá, foi capa da Vogue, beleza. Mas uma mulher trans negra que não tem o estereótipo padrão aquele da Vogue, que não vai se parecer com uma pessoa cis, não vai nunca ser capa da Vogue. Não pelo menos nos próximos anos. Não to querendo comparar as dores das pessoas trans, não to querendo colocar nós contra nós, não é isso. Mas to falando que existem esses recortes e isso existe por causa dos recortes do Cistema que a gente vive, de gênero, raça e classe. Esse sistema cis. Que é o homem branco no topo da cadeia de poder, entendeu. E isso vai saíndo sobre todos, da mulher branca, da mulher negra. Por isso que eu falei que o feminismo da mulher branca é diferente do feminismo da mulher negra. Enquanto as mulheres brancas tavam reivindicando trabalho, as mulheres negras já estavam trabalhando. Mas era tipo... 'Peraí a gente já trabalha, a gente não quer isso, a gente tá querendo reivindicar que a gente precisa ganhar mais, que a gente precisa do nosso trabalho valorizado, a gente quer oportunidades assim como as mulheres brancas tiveram oportunidade de estudar, a gente também quer'.
Algumas leituras que eu fiz tinham, pelas falas dos viajantes, os relatos de como eram aquelas pessoas, de como elas se comportavam, e de como a pessoa viajante já vai relatar com a visão dela né sobre aquilo. Então ali tem relatos de mulheres que se deitavam com mulheres, de homens que se deitavam com homens, de pessoas que eram homens vestidos de mulheres, que eram lidos como feiticeiros e respeitados em algumas tribos e tinha um outro nome. Só desse relato já da pra ver que os corpos negros eram lidos e se portavam de outras maneiras sim. Mas a gente não sabe porque foi tirado né, enfim... O que eu quero fazer um dia, se tiver oportunidade, num doutorado, é ir atrás dessas fontes primarias, é ir atras de fontes pra fazer essa pesquisa de como os negros se liam, como eles liam os corpos. Mas não a partir de uma visão do estrangeiro. Tentando me introduzir naquela cultura, com uma visão fora, de diáspora assim.
Na minha infância eu jogava muita bola e andava de bike, eu era bem molecão assim, meus pais me deixavam brincar à vontade. Eles me davam bonecas mas não ficavam me importunando, então eles compravam o que eu queria, tipo 'quero um homenzinho', que eu chamava os bonequinhos de homenzinhos. Eu brincava bastante com meu vizinho de trás, jogava bola, corria, tudo que era pra uma criança cis menininho fazer eu fazia. Foi uma infância tranquila, mas na hora de vestir roupa era sempre difícil. Eu lembro que eu não gostava de roupa "feminina" assim, que era pras gurias né, eu não gostava, só "masculina". Isso não significa que meus pais soubessem 'ah é trans', porque tipo eu era criança. Tipo... Eu. Porque tem muitas pessoas trans que brincavam de boneca, vestiam rosa e são trans sabe. Não tô dizendo que isso foi um denominador, mas to falando da minha infância, as coisas que eram lidas como pra menininho cis eu usava, eu brincava, eu queria, eu achava mais legal.
Na minha adolescência, como eu cresci numa família religiosa - meus pais são testemunhas de Jeová - eu comecei a frequentar religião, tipo, usar vestido. Eu odiava usar vestido e saia pra ir, daí eu só botava porque era só no dia de religião aí tinha que fazer esses rolês, mas eu odiava, o-di-a-va colocar essas roupas. Tanto é que eu comprava umas saias grandonas e uma bota longa pra daí me deixar mais confortável assim, e preto. Umas coisas mais sabe pra ficar confortável, mas bá, eu odiava e eu odiava porque parecia que eu tinha que ser que nem as mulheres de lá eram, sabe… Eu achava tão lindo os ternos dos caras, eu queria usar aqueles ternos e eu tinha que usar um vestido… Tipo, esse não é meu rolê. Enfim, não durei muito lá né (risos). Eu fui testemunha de Jeová até os 16 ou 17 anos.
Na minha adolescência começou a crescer meus peitos e isso começou a me incomodar. Porque até então eu não dava bola pro meu corpo e pro meu peso assim, comia de tudo, praticava esporte, então nunca tava ligado nisso. Aí depois que eu parei de jogar futebol, fui pra religião, menstruei e que meu corpo começou a mudar, meus peitos cresceram, tive uma época que meu corpo mudou e eu não gostei de nada que mudou sabe. Eu tive um período de depressão que foi no ensino médio. Daí pra me livrar dessa depressão eu comecei a fazer exercícios, caminhar todos os dias, correr. E depois que eu saí da religião também saiu um peso das costas muito grande.
Daí depois eu passei na UFRGS também. Então ir pra universidade, sair de casa, sair da minha bolha do interior assim, foi excelente, foi tipo tudo pra mim. Tenho até medo do que poderia acontecer se eu ficasse nessa bolha de Novo Hamburgo. Minha vida ia ser acho que muito chata. Fico pensando o tanto que eu descobri, saí da minha bolha, descobri sobre política, sabe, o tanto que eu aprendi sobre a sociedade, sobre como a gente vive e sobre como a gente se comporta. Isso foi tudo na universidade. Claro que aprendi as coisas no meu curso, mas a universidade me abriu as portas pra tudo assim, pra uma nova cultura. Pra uma experiência de trocas com pessoas, jovens da minha idade que tavam também descobrindo coisas, sexualidade, tudo.
Depois que eu entrei na universidade, nossa, tipo, conheci um outro leque de pessoas e foi maravilhoso, foi muito massa a troca, foi excelente, foi tudo de bom. Entrem na universidade, que é muito bom (risos).
A partir da minha adolescência, quando saí da religião, que fui tendo mais autonomia, sobre o meu corpo, sobre o que eu queria fazer com meus cabelos, sobre mim, sabe… Tipo, eu fui ficando mais feliz assim, me permitindo mais, porque eu tava fazendo as coisas que eu queria, que eu tava me sentindo bem. Então a minha sexualidade fluiu mais… Ah, fluiu fluiu, de ser fluída mesmo rsrsrs - sim, eu saí da religião me assumi sapatão e fui ficar com mulheres, aaaahhh que maravilha (risos). Depois fui me permitindo, ficava com homens, porém nunca tive vontade, desejo e interesse de ir adiante ficando com homens. Hoje fico apenas com mulheres - mas não digo que dessa água não bebereis porque posso morrer afogado, geminiano né (risos). Bá! Eu cortei meu cabelo, lembro quando eu cortei meu cabelo na faculdade assim, foi muito muito, muito, muito bom, foi muito bom, quando eu comecei a usar roupas que eu lia como masculinas, camisa social e tal, mas quando eu cortei o cabelo, bá. Um novo eu nasceu assim, foi excelente. Foi maravilhoso!
E na universidade eu me encontrei como um homem trans.
Porque eu sempre tava nessa busca assim. Sempre fui me permitindo, sempre fui tirando... É como se eu tivesse com várias camadas de roupa e aos poucos fosse tirando e tivesse um dia muito quente. Aí eu ia tirando e tirando e tirando. Me permitindo, me permitindo, me permitindo... Até que eu me permiti tipo aquilo que eu tava sempre reprimindo. E depois foram uns dois anos de tratamento com psicólogo porque eu não me aceitava trans, eu não me aceitava um homem trans de jeito nenhum. Eu pensava 'eu não sou esses homens cis aí', tá ligado, eu ficava tipo 'nao, nao sou' e eu fiquei com muita raiva. Só que ao mesmo tempo que eu não tava me permitindo ser eu, isso estava prejudicando a minha saúde. Foi aí que eu entendi que eu sou homem. Um homem trans negro!
Mas a minha saúde mental... Eu lembro que 2016 foi um rolê muito forte, da metade do ano até o final de 2016 eu fiquei muito mal, entrei numa depressão muito forte muito foda, eu vinha numa linha assim.. Então tudo que tava ruim se agravou sabe, o meu caso de não me aceitar. Tudo que já tava ruim ficou mega ruim, porque eu já tava depressivo pela minha não aceitação. Eu pensei em suicídio e tudo mais, fiquei internado domiciliarmente. Aí pensei 'eu acho que eu tenho que me permitir, porque se não eu não vou viver, não vou conseguir viver. Ou eu me permito ou eu morro'. Eram essas as duas soluções, entendeu.
Aí eu pensei: antes de eu tentar me matar eu acho que eu vou me dar uma chance, vou me permitir. Aí eu lembro que era uma manhã, eu lembro que eu saí cedo, fui até uma clínica, até o posto de saúde. Aí eu falei 'moça eu vou me matar, então eu preciso ficar aqui', tá ligado, aí ela me acolheu 'o que ta passando contigo?', aí eu expliquei 'olha, to muito mal, tô muito depressivo e eu vim aqui pedir socorro pra eu não fazer alguma coisa'. Eles me encaminharam pro CAPES. Eles ligaram e o meu irmão veio me buscar. Depois eu fiquei em tratamento no CAPES, com psiquiatra e psicóloga lá. E internado domiciliarmente e medicado. Foi uma semana horrível, eu tive muitas crises de ansiedade, muitas crises de pânico. Até hoje eu falo que eu não sei como eu saí daquele buraco, sabe, não faço a mínima ideia tipo as coisas foram indo, indo, e de repente eu saí... Porque eu não tinha percepção de sonhos, eu não tinha percepção de vida, eu não tinha perspectiva de absolutamente nada . Foi a última chance que eu dei pra mim. Eu acordei de manhã e falei 'bá, vou dar minha última chance. Ou eu me mato ou vou lá na clínica'. E daí foi bom porque eu to aqui até hoje, tomei uma decisão legal. Aí fui me tratando com terapia, com a ajuda dos amigos e com a ajuda da família, mas principalmente com a ajuda dos amigos, tipo muito, que eu sempre tava com os meus amigos e foi muito muito bom, porque eram os momentos que eu tava feliz, que eu tava dividindo. Porque quando eu estava com a família guardava o segredo, e com meus amigos eu podia me abrir.
Depois que me assumi para meus amigos e depois para a família tudo ficou leve, leve. Aí quando eu me permiti tudo voltou a fluir sabe, tudo ficou melhor. Daí eu comecei a viver como Morgan, e voltei a ter vontade de viver. Viver começou a ter um significado e importância para o meu SER.
Era uma coisa que sempre tava interna em mim, mas eu não sabia o que era. Eu sempre soube que tinha uma coisa, daí depois que eu fui me permitindo, que eu pude ficar com mulheres, que eram coisas que eu queria, que eu não sabia que eu queria mas tinha uma coisa lá dentro... Na terapia eu ficava renegando muito isso, porque eu não queria ser esse homem. Aí depois eu fui me permitindo e falei: mano, eu não sou esse homem, tá ligado. Eu não sou um homem cis. Eu sou um homem trans primeiramente. Eu nunca vou ser um homem cis porque eu não sou um homem cis. Eu já vou partir de um lado que eu não vou reproduzir nem a metade das coisas que eles reproduzem, tá ligado. Eu, né. Com os conhecimentos que eu tive, com a noção de sociedade que eu quero ter e que eu tenho.
Mas também é difícil, porque se aceitar uma pessoa trans... Puts, o medo de ser uma pessoa trans. Eu fui aos poucos me aceitando e foi um processo que aos pouquinhos eu fui compreendendo, tipo realmente eu sou homem trans, tenho que ter orgulho dessa parte. Mas não foi tipo 'ah, sou homem trans e tenho orgulho', super rápido. É um processo. E tipo foi um processo pra minha familia, pra todo mundo que tava ao redor de mim e é até hoje. Depois eu fui descobrindo que a vida é um processo e fui ampliando meu pensamento, meu entender do que é sociedade. E também entender o que é ser homem, o que é ser mulher, o que que foi construído sobre os corpos do que é ser homem e do que é ser mulher.
Eu comecei a ter mais noção de corpos e de como é um sistema que lê e que introduz que tu tem que agir dessa maneira justamente quando eu fui perceber que outros povos, outros lugares, liam corpos de diferentes maneiras. Meu povo africano, não sei da onde que sou originário, mas do continente africano, lia os corpos, cada tribo, cada lugar lia os corpos de uma outra maneira. Não dessa maneira colonial. Mano, porque eu fiquei um bom tempo também no role de estudar o feminismo radical, porque falava 'boto fé, gênero é construido, bó, com certeza' e tal, tanto é que eu ficava com uma mina que era feminista radical. E daí a gente discutia muito sobre isso a gente conversava sempre. Mas eu sempre ficava lá 'meu, mas o que eu to sentindo aqui dentro é além do que tu pode explicar. O que eu to sentindo tu não consegue explicar', sabe. Ficava pensando pra mim. E foi o ápice assim, foi o ápice. Bá eu tenho que viver esse meu eu porque a tua teoria não contempla o meu corpo, tá ligado. E daí eu fiquei tipo, mano, eu vou viver minha vida, tá ligado, vou fazer meu rolê.
Depois eu fui descobrindo que a sociedade é plural e tem vários tipos de vivência, tem várias leituras e foi botado vários padrões sobre vários corpos, sobre tudo. Aí fiquei mais calmo, 'bá, eu não sou esse cara', sabe. Depois que tu vai estudando masculinidades, tu vai vendo tipo, por exemplo, os corpos dos homens negros, como eles são objetificados.
Hoje a gente tá mais aberto socialmente do que alguns anos atrás assim, então tipo bá hoje eu posso falar que eu sou não-binário. Mano lá nos anos 80 nem tchum 'o que é isso?' sabe. Por mais que tu se sentisse 'bá, acho que isso aqui não me contempla'.
Tá mas daí vem as feministas radicais falando 'mas tu quer sair de um padrão pra entrar em outro padrão'. Tipo, não to criando padrões. Só tô dizendo que esses corpos são livres. E tu vai sempre fazer uma leitura sobre os corpos, porque a gente vive em sociedade. Agora o padrão que tu cria é outro rolê, daí isso aí realmente, tu vai determinar um preconceito sobre aquilo.
E tipo não, eu quero usar rosa também, saca. Eu quero usar azul e eu vou continuar sendo o Morgan sabe. Usando uma havaianas. Só que eu me sinto mais confortável com esse corpo aqui. 'Ah mas tu é uma pessoa trans, tu quer ser homem'. Cara, eu sou um homem trans, eu nunca vou ser um homem cis. Eu, o Morgan. Eu me identifico assim. Eu me identifico como um homem trans. Tenho muitas questões, assim como todo mundo tem questões. Mano a gente nao é um átomo sabe. Tu não vai desconstruir tudo. Tu não é um átomo. E, mano, daí tu usar de um bagulho que tu nem tem conhecimento da coisa pra justificar um rolê... A gente vive em sociedade. Basta respeitar os corpos.
E a própria questão de objetificar e de tentar justificar por um Cistema as suas coisas, já é um padrão, tá ligado, e já continua mais do mesmo. Que é um padrão cis. 'É que não existe cis e trans', tá mas tu ta utilizando de um argumento cis pra fomentar teu preconceito. Então te desobjetifica de tudo e vive como números então, pronto (risos). E também é muito querer voltar pra uma coisa que, mano, a sociedade já avançou. Já, digamos, evoluiu. Entendeu. Tu tem que ver o que tu tem hoje. A pessoa fica querendo retroceder uma coisa que tá lá na explosão do Big Bang.
'Essa é a verdade'. E tu quer dar a tua verdade porque a tua verdade já é um padrão. As pessoas não terem padrão já é um padrão de não terem padrões. Então tipo, tu vai entrar num looping gigante e tu vai virar um espiral. Tipo, não ter um padrão de ter um padrão sabe. Vai ter um padrão. (risos)
Quando eu vi, pensei 'puts, eu sou homem', sabe. Eu não conseguia… Eu não tinha a questão do recorte 'ser trans' e 'ser cis', sabe. Eu tinha o recorte de 'sou homem e tenho agora que fazer a barba e abrir a porta pra minha namorada', umas coisas assim. Eu não queria aquele comportamento tóxico e eu não queria reproduzir aquilo, eu não era aquilo e eu negava tudo. Por raiva, muita raiva 'deste' homem. Por essa questão de que gênero também era construído. Então eu tive muitas discussões sobre o que era gênero com a minha psicóloga. Ela era uma pessoa que tava estudando transmasculinidades e me ajudou bastante. Ela não me falou 'Morgan tu é isso'. Eu fiquei me procurando até me achar no eu que eu sou hoje. E até eu me descobrir. Ela só falava comigo e esse é o sentido do psicólogo, é te ajudar a tu mesmo achar teu caminho.
E também é muito a questão do falo né, de ter um pênis. Porque ter um pênis e ter uma vagina é o principal pro preconceito, o que fomenta o feminismo radical, tu ter uma buceta ou tu ter um pau. E eu ficava tipo 'mano, eu não tenho um pau'. E depois eu fui descobrindo 'sou um homem trans' e fui achando 'puts, que bonito, sou uma evolução da espécie' (risos). E eu posso engravidar, posso fazer qualquer rolê. E eu descobri isso também porque, por tu ter uma vagina, eu acho, tu acaba inferirorizando um homem trans por um homem cis. Por ele ter um pau e tu ter uma vagina, logo ele é superior a ti. Eu sou um homem trans e eu tenho uma vagina. E esse é o rolê. Se quiser ficar comigo é assim. Não vou me esconder pra ter o amor de alguém, não vou deixar de ser eu agora porque a fulana não vai querer ficar comigo.
Eu me fechei pra relacionamentos. Meu corpo nunca era desejado, eu sempre tive uma auto-estima muito baixa e sempre me sentia não desejado por ser na época uma mulher negra lésbica. E daí eu pensei 'vou virar homem trans e também...'. Então eu aprendi a viver com a solidão assim, saca. E eu aprendi também a gostar da solidão. E aprendi a viver de uma maneira que a solidão ajudou a eu amar a mim mesmo. Em primeiro lugar. Que é o primeiro ponto pra tu ter autoestima, né. Tu se amar. Pra poder amar outra pessoa. Então no meu caso com a própria solidão fui aprendendo a me amar. Tipo, meu, eu quero ser feliz. Eu quero a minha felicidade primeiro. Não vou fazer porque todo mundo tá feliz e eu tenho que entrar nesse rolê pra te deixar feliz. E eu?
Então hoje eu consigo me permitir, hoje consigo ter um relacionamento porque consigo falar o que eu quero, não faço só agradando a pessoa. Eu tenho questões ainda com masculinidade? Tenho, óbvio, é o meu processo. E vou me descobrindo muito mais. Sempre brinco 'ah não digo que dessa água eu não bebereis'. Eu sempre falo isso pra mim, eu sou geminiano, posso morrer afogado, tá ligado (risos).
Às vezes tu fica meio travado assim e não sabe muito o que fazer. Tem dias que eu tô triste, tem dias que eu tô feliz. Porque a vida é essa tá ligado, essa oscilação. A vida é feita de altos e baixos e tu vai aprendendo com ela. E aprendendo a viver em sociedade, aprendendo a respeitar uns aos outros. Muitas paradas eu fui aprendendo, também não sabia o que era não binário até que tipo 'bá, talvez isso me contemple' sabe, contemple meu corpo. Muitas pessoas trans viram que só ser trans não contempla o corpo delas. Muitas pessoas não binárias vão achar uma hora que só ser não binária não contempla o corpo delas. Então, tipo, é o processo, é, tipo, vai indo, evolução, ser humano, tá ligado. É isso. Só que sempre alguém vai justificar seus preconceitos, sempre alguém vai achar errado o que o vizinho tá fazendo, sendo que o vizinho nem tá falando contigo tá ligado, mas 'tá errado isso aí'. A galera gosta de uns big brothers (risos).
Com a minha família foi bem tranquilo quando eu me assumi. Eu me assumi duas vezes né, quando eu era lésbica e quando eu era trans. E meu irmão também. Foi bem mais tranquilo eu acho eu me assumir trans do que meu irmão se assumir gay pro meu pai. Porque aquilo que eu falei, o meu irmão é um homem negro, um cara. Meu, no Rio Grande do Sul, gay? O que? Não. Minha mãe já sabia do meu irmão, que ele era gay. Mas a minha mãe não sabia que eu era lésbica, nem meu pai. Daí quando eu me assumi lésbica, eu me assumi pra minha mãe e pro meu pai. E logo meu irmão já aproveitou que a porta tava aberta e já se assumiu gay pro meu pai. E pro meu pai foi muito mais tranquilo, pelo que eu vi, ele me ver como uma pessoa lésbica. Tipo tá, 'Mô sempre foi assim', beleza. Agora com meu irmão foi super difícil, super difícil ele aceitar meu irmão. Eu vi assim. Ele tipo, bá, não compreendia. Mas também não to crucificando meus pais. A questão das culturas deles, assim como a gente tem as nossas culturas e nossos questionamentos né. Alguma coisa não batia com o que ele pensava obviamente pra ter esse preconceito. E meu pai era muito religioso, então ele conseguiu achar as respostas dele. Meu pai e minha mãe são testemunhas de Jeová. Eu e meu irmão não somos mais. Mas eles vão no salão até hoje e meu pai consegue tipo te mostrar na bíblia que os corpos trans são aceitos tá ligado. Pega uma bíblia e vai te mostrar. Saca? Então, tipo, ele vai falar que 'deus ama todos nós', tá ligado. Minha mãe também vai falar isso. O meu pai lê a bíblia diariamente. Meu pai é um cara muito sábio e a minha mãe também.
E aquela coisa dos saberes né. Meus pais só tem o ensino fundamental completo, mas eles têm os saberes deles, tá ligado. Que é como eles aprenderam e é a inteligência deles. Eles podem não ter o segundo grau completo, mas eles são muito inteligentes. Meu pai pode saber montar uma máquina, enquanto uma pessoa da faculdade de engenharia não vai saber. Então tipo, nisso que eu quero falar dos saberes, que a gente não pode desvalorizar, de se a pessoa não tem um estudo formal do colégio significa que ela é burra. Não. É valorizar os saberes.
Então meus pais são muito inteligentes e são muito amorosos também. Foi um processo difícil pra eles, da aceitação do meu irmão e de mim. Ainda é um processo. Até hoje minha mãe me chama no pronome feminino. E meu pai me chama no meu nome antigo e no pronome feminino, que às vezes ele erra. E agora eles ficam me chamando de 'Mô' e eu falo pra eles 'tá, agora já tá num limite que vocês tem que começar a se esforçar mais', tá ligado. 'Porque se eu ficar permitindo que vocês fiquem me chamando de Mô e ficar permitindo que vocês errem o pronome e não chamar a atenção de vocês, vocês vão continuar me chamando errado'. Que se tu não falar que tá errado aquilo ali, vão continuar fazendo o erro porque tá confortável daquela maneira. Eu sempre tô corrigindo, agora eles estão bem melhor nisso. Eu sempre tô cuidando, tentando falar meu nome. É um processo pra eles também, porque eles criaram a menininha deles também e de repente essa menininha não é mais a menininha. Mas eu sempre fui o ser humano que eles criaram e aquele amor que eles deram… Eu sempre estive ali, nunca morri. Sempre fui a mesma pessoa, só que com uma vivência diferente, uma vivência trans.
Eles são bem tranquilos. Eles sempre falam: O pai ama tu e teu irmão e vai continuar amando. E eles não compreendem assim esses pais que pegam e expulsam os filhos de casa. Realmente não tem como compreender.
Eu quase não passo muito tempo aqui em Novo Hamburgo, eu tô sempre em Porto Alegre. Mas no início da transição era bem bosta assim porque tipo... A minha cidade é alemã né, tem muitos descendentes de alemão. Então tipo, já tem pouco... Em alguns bairros tem muito mais negros, mas são os bairros mais afastados. Que eles jogam a galera pobre mais pros cantos, assim, onde eles não conseguem enxergar sabe. Aí a gente tá aqui numa região mais central e tipo, eu acho que eu sou o único negro do bairro, minha familia aqui, a nao ser que tenha mais pra lá. Mas tipo é meio assim tipo puts, todo mundo te olha, tá ligado. Quando tinha black, nossa, primeira coisa. Quando eu comecei a deixar meu cabelo crescer '!', a cidade toda me olhava. Tanto é que o motorista do uber sabe até hoje quem eu sou (risos). Tipo, eu nem sabia quem ele era na época que eu peguei ele. Daí a primeira vez que eu peguei ele 'bá, eu já te vi passando na rua com um blackzão, achei muito da hora e tal'. Tipo, eu era conhecido na rua tá ligado, e eu nem fazia ideia de quem as pessoas eram. E daí é uma bosta assim. Às vezes tu só quer comprar um pão sem ser percebido, mas tu não vai ser despercebido, porque tu é diferente pra eles. Então às vezes era uma bosta e às vezes eu não tava nem aí sabe. Às vezes eu gostava mesmo, ficava 'é, pode olhar mesmo, eu sou fodÁ!' (risos). Então tinha estágios assim. Mas eu não passei muito tempo da minha transição aqui porque eu quase não passava tempo aqui, porque eu estudava e trabalhava em Porto Alegre, eu vinha só pra dormir. E final de semana também eu costumava sair em Porto Alegre.
Ser trans em Novo Hamburgo, por exemplo…. Principalmente quando a galera me via como uma lésbica masculina já ficava me olhando diferente 'é um homem ou uma mulher? O que tá acontecendo? Meu deus'. Eu também tinha aquele cabelo liso, então chamava muita atenção. E é aquilo que eu falei, às vezes eu tava confortável e às vezes eu tava totalmente 'puts, só para de me olhar, que merda'. E tipo eu acho que isso também ajudou pro meu pânico, porque eu sentia as pessoas sempre me olhando. E até hoje eu não gosto de multidões, eu gosto de silêncio, de passar quietinho sabe. E eu tive um pânico de pessoas na época e eu acho que isso também ajudou, de parecer que tava todo mundo olhando pra mim, porque eu sentia que eu era diferente sabe, sendo que às vezes a pessoa não tava nem aí pra mim.
Agora, que eu imagino que eu tenho mais passabilidade, eu não tô tão desconfortável, porque as pessoas não erram tanto o meu pronome. Eu me sinto ainda inseguro, óbvio, porque eu sou um corpo trans, mas como as pessoas me leem como um cara cis, às vezes... Pra um corpo negro trans eu virei ameaça tá ligado. Por ter um corpo negro as pessoas acham que eu vou assaltar elas enquanto eu que to com medo delas. E virou isso, eu virei ameaça. Sendo que eu sou ameaçado. Mas com os caras assim, tipo, eles me tratam como brother. E até eu não sei às vezes como agir, eu fico meio pressionado porque tipo 'ah, eu posso falar com licença?', 'se eu falar com licença ele vai descobrir que eu sou trans e vai me bater?' sabe. Uma coisa assim, tipo, eu fico com medo da reação de violência e de preconceito, seja ela física ou verbal. Porque é muito ruim assim sabe, por mais que a verbal não seja física, eu sou uma pessoa sensível, meu psicológico fica uma bosta tá ligado. Se eu tô triste naquele momento, aquilo lá vai ser uma bosta pra mim. E não é só porque eu sou sensível, é porque é uma violência né.
No inicio da transição, quando eu tinha um cabelão, as pessoas me liam mais como uma lésbica mas com roupas masculinas. Eu adorava meu cabelo, tipo muito, mas começou a me incomodar porque as pessoas ficavam me identificando como uma mulher cis lésbica. Eu acho que isso me incomodou tanto que me fez enjoar do meu cabelo e cortar. Daí quando eu cortei eu me senti melhor, me senti mais lido como um cara. E daí hoje eu acredito que eu sou lido como um cara, um gurizão de 19 anos. Sou tratado, pego uber 'e aí guri', 'bá, guri', 'tchau, guri', sabe, tão simples, o cara me deu um 'tchau guri'. Mas alguns meses atrás seria uma tormenta, poderia sofrer violência. Então é o medo da reação das pessoas, sabe.
E Porto Alegre te oprime bastante. Tu passa de um corpo de uma mulher negra que tu pode ser... O corpo de uma mulher. Que pode ser violado a qualquer momento por um cara se tu tiver numa rua escura, sabe. Vários momentos, bá, prefiro pagar um uber do que ir a pé, do que sofrer alguma consequência. Vou andar mais rápido, vou cuidar do meu horário, vou estar com uma roupa x. Eu sempre, sempre, até hoje eu ando com muita tensão em Porto Alegre, porque qualquer coisa pode acontecer de violência. Além de me assaltar "descobrir que eu sou uma mina" na hora porque me viu de longe, pensou que eu era um cara e daí na hora me leu como uma mina cis sapatão ali e daí né… é muito de tipo tu andar ligado, tá ligado. Em Porto Alegre tem que andar ligado toda hora, porque tu tem medo de sofrer violência.
E quando eu me tornei passível de leitura pelas pessoas cis de um cara negro ficou o lado bosta também que eu virei ameaça saca. Aí agora tenho que ficar cuidando as viaturas da polícia porque podem me parar a qualquer momento, tá ligado. E se me parar o que que pode acontecer comigo? Porque quando eu era lido como uma mulher negra lésbica eu tinha a condição de 'ah os policiais não vão me bater porque eu sou uma mulher' sabe. E agora eu to totalmente, eu sou um homem sabe, eu posso andar mais seguro na rua sozinho e talvez não temer um assalto por um outro cara por ele me ver como outro cara mas sou totalmente lido como uma ameaça… Se eu der uma corridinha… Sempre saio com meus documentos se eu for correr. Se eu for fazer outro rolê sempre tenho que estar com meus documentos, qualquer coisinha, não posso ir até a esquina sem meus documentos. Daí bá, fudeu, sempre tenho que ficar me cuidando.
Dependendo do horário a viatura já passa mais devagar te olhando, daí tu vê teus amigos relatando. Geralmente eu sempre cuido, tento cuidar onde que eu tô, onde que eu vou, a roupa que eu vou usar também. Isso eu sempre cuidei. E Novo Hamburgo sempre exigia isso, porque tu é uma pessoa negra, cuida da roupa que tu vai usar. Por tu ser um negro tu tem já muitas coisas que tu vai fazer, entendeu. Se tu vai comprar uma água, tu não vai entrar no mercado sem cestinho, tu não é louco, tu vai pegar um cestinho sim. Se tu perguntar pra um outro homem negro ele vai falar 'bá, é óbvio que eu vou pegar um cestinho. Porque senão o segurança já vai me seguir de primeira', tá ligado. Sempre. Então tem muitos preconceitos que é pela questão racial daí. Tu sempre toma cuidado saca. E daí tem a questão racial mais gênero. Dependendo do jeito que tão lendo ali 'ah, é uma mulher, então tá', 'é um homem, então tá', vai agir sobre aquele corpo diferente sabe.
E por ser um homem trans, sim, eu tenho medo de ser estuprado ainda. E uma das coisas que eu quero voltar a lutar é isso, pra me sentir mais seguro na sociedade. Em relação a qualquer tipo de violência que possa vir a ter comigo, com meu corpo. Porque eu sou pequeninho, sou um cara negro pequeninho, então tipo, vem dois gurizões pode me assaltar, sabe, daí ficar sei lá me apalpando achar que… eu posso ta de top, pensar que né enfim… E a medida que eu vou tendo passabilidade eu vou tendo digamos assim uma "segurança" de as pessoas ah tipo 'ai é um cara', sabe. Mas a partir do momento que eu não sei se a pessoa tá me lendo como uma pessoas trans ou não, não sei o que a pessoa tá lendo do meu corpo.
O futuro do gênero vai ser multiplural, eu acho. Gênero antes era só o gênero feminino. 'Estudos de gênero' era estudar sobre a mulher. Então é isso, multiplural. Vai ser bem mais expandido. Vai ser tipo que nem uma linguagem de programação, a gente vai ter vários tipos de linguagem de programação. Tipo muitas linguagens de programação. E tu usa a que tu se sentir melhor (risos).
Ame. Principalmente, amem mais. Escute. Principalmente, escutem as pessoas. Respeitem. E amem. O mundo precisa - parece uma frase muito de namastê "o mundo precisa de amor", mas é exatamente. O mundo precisa de amor, tá ligado. O mundo precisa de amor e de respeito. Pra chegar nesse amor e respeito as pessoas tem que sair dos seus privilégios e utilizar dos seus privilégios. Utilize seus privilégios pras construções possíveis da sociedade, pra ela ser melhorada, entendeu? É isso. Meu, tu é branco, tu não vai sofrer racismo e teu amigo, as pessoas sofrem. Utilize do teu privilégio para combater o racismo. Não é porque tu é branco, não é porque tu não é negro que tu não vai se envolver com o rolê. Não. Tu deve se envolver com o rolê. Tu deve utilizar dos seus privilégios pra que esse rolê seja desconstruído, entendeu? É isso. Utilize dos seus privilégios para melhorar a sociedade.
Te permite. Tem que se permitir de verdade. A conhecer uma outra cultura, sem os preconceitos. A entender o outro. Nesse momento tu vai entender como é um corpo trans, que as pessoas existem e elas só querem ter os seus nomes respeitados. Tá curioso? Clica, faz. Clica, vê, vem olhar. Vem ver. Vem, pergunta. Porque as pessoas vão deduzindo coisas de maneiras que elas vão achando, atrás de respostas. São curiosas. Então pergunte. Sem violência. Tenha uma responsabilidade emocional sobre o outro sabe. Não é só amorosamente que a gente tem que ter responsabilidade emocional, mas a gente tem que ter responsabilidade emocional em tudo. Com a sociedade em si, né. Tenha essa responsabilidade emocional. E te permite aprender sobre os outros. Não fica deduzindo coisas.
Morgan Lemes
1993
Graduando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor de História no coletivo TransENEM. Estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Sul no curso de Redes de Computadores. Roteirista (iniciante) e comunicador digital.
Homem trans.
Ele/dele.
7 meses em Terapia Hormonal.
@morganlemes
*ensaio realizado em Novo Hamburgo (RS) em fevereiro de 2020.
1993
Graduando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor de História no coletivo TransENEM. Estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Sul no curso de Redes de Computadores. Roteirista (iniciante) e comunicador digital.
Homem trans.
Ele/dele.
7 meses em Terapia Hormonal.
@morganlemes
*ensaio realizado em Novo Hamburgo (RS) em fevereiro de 2020.
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Esse projeto é feito por mim, Gabz. Sou uma pessoa trans não-binária e busco não só retratar mas também abrir um espaço onde outras pessoas trans possam contar suas histórias, pra dar suporte pra nossa própria comunidade. Depois de muito sofrer com a carência de referências de narrativas trans que me contemplassem percebi que essas pessoas existem e sempre existiram, porém por motivos CIStêmicos as poucas vezes que temos oportunidade de contar quem somos acaba sendo através da lente de pessoas que não sabem como é a nossa vivência. Comecei esse projeto por urgência.
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